Já fui assíduo leitor de jornais nos cafés. Logo pelas 06:30 da manhã lá estava eu no café do costume a bebericar a bica e a folhear seletivamente o diário.
Depois dessa hora, a da religiosa abertura do estabelecimento, ler um diário já usado por alguma outra pessoa passou a ser impensável.
Conforme se sabe, é bem comum bebés e crianças chuparem o dedo, a chucha e levarem objetos à boca até os primeiros 18 meses de vida.
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Segundo explicação pediátrica, o fenómeno ocorre porque eles começam a vivenciar a fase oral, quando têm a perceção do mundo pela boca. Segundo a Medicina, a “sucção está presente na vida do bebé desde a fase intrauterina”.
Até o primeiro ano de vida há uma necessidade fisiológica de sugar. Não só em função do aleitamento, mas também porque o ato liberta endorfina, que regula a dor, o humor, a ansiedade, dando a sensação de bem-estar e prazer.
De acordo com a pediatria, do ponto de vista emocional, acredita-se que as crianças que chupam muito o dedo ou a chucha são mais ansiosas e inseguras.
Assim também são alguns exóticos leitores de jornais nos cafés, estranhas criaturas que, para virar página após página, levam o mais ou menos (normalmente menos) higiénico dedo indicador à língua, à falta de um ventinho ou brisa facilitadores da descolagem das páginas.
Também normalmente, pelo que tenho observado, a maioria destes espécimes reserva-se mesmo o direito de ler o jornal da primeira à última linha, quase até que “a morte os separe”.
De acordo com os especialistas, largar este infantil mas repugnante hábito pode ser solucionado através da seguinte dica: o primeiro passo é tentar combinar uma data para parar.
Depois, o ideal é dar-lhes um objeto que possa substituir o dedo: um paninho, um bichinho de peluche… algo que lhes dê conforto e distração, mas que os afaste do mau costume do dedo sugado e copiosamente salivado.
Com meia-dúzia de leitores deste jaez, os que têm a coragem ou falta de higiene para folhear o “jornal da casa” muito provavelmente já estarão a ler um guarda-chuva de letras, carregado de bactérias tendencialmente transmissoras de doenças.
Por sua vez, os que assistem a este típico e rústico “ritual” salivar devem tentar desviar a atenção destas crianças-com corpo de gente grande quando perceberem que eles estão com o dedo na boca. É inútil e constrangedor confrontá-los visualmente. Eles não têm maturidade suficiente para perceberem a grosseria e primitivismo do seu gesto, como não a têm os da unhaca do dedo mindinho para limpar a cera dos ouvidos ou os adeptos de palitar os dentinhos após as refeições, incluindo os mais “discretos e sofisticados” com as costas da mão a fazer de biombo.
É importante, isso sim, ocupar-lhes as mãos, substituindo o jornal, sei lá, por legos ou por… pimenta da terra, por exemplo.
Caso o receituário não resulte, a solução poderá passar por oferecer-lhes  um triciclo, à medida da sua idade real,  ou colocar-lhes uma chucha enquanto leem ou fingem fazê-lo.
Para evitar ficar sem a leitura do “jornal da casa”, o remédio é comprar um diário virgem num quiosque.
É certo que, como há uns anos se dizia, e bem,  “Ler jornais é saber mais”. Não me lembro é de uma versão do género “Ler jornais é cuspir mais”.

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa