A Rua do Frigorífico


Dou sempre por mim a pensar o quão paradoxal é a circunstância de a Associação Protetora dos Pobres ficar situada numa rua com uma designação associada ao frio – a Rua do Frigorífico.
Desde criança que sempre achei curioso o nome daquela rua da nossa cidade. Talvez por isso, ainda hoje, aquela seja uma das poucas ruas secundárias do Funchal que conheço, apesar da sua discreta localização.
Os novos-pobres, os mais antigos ou os pobres-envergonhados misturam-se ali naquela rua, muitas vezes durante o dia e, em muitas outras (infelizmente cada vez mais), protegendo a identidade e dignidade diminuídas debaixo do anonimato da noite.
A cidade, a da festa e dos navios de cruzeiro, está toda iluminada, toda ela é um presépio, mas é ali, naquela rua com nome de frio, que há uma gambiarra com mais luz e colorido para quem, pelas mais diversas circunstâncias da vida, a perdeu ou acredita ser filho de um Deus-menor.
Só quem lhes distribui o pão, o prato de sopa ou a disponibilidade para ouvir os seus queixumes sem insuportáveis paternalismos, castigadoras censuras ou falsos moralismos conhece o seu rosto e a sua história de vida, procurando compreendê-la ou com ela se solidarizar.
Ouvi-los, reservando-se ao silêncio, é mesmo muitas vezes a mais reconfortante palavra e a prova maior de fraternidade que um homem pode prestar a outro homem, sem quaisquer diferenças de estatura.
A Rua do Frigorífico, por antítese, quase por ironia, é essa lareira que empresta por momentos algum calor aos seus corpos enregelados, alívio à sua fome ou um instante de esperança a tantas almas com tão pouca ou nenhuma.
Muitos (alguns mesmo ditos “católicos praticantes”) não lhes reconhecem sequer humanidade, olhando-os de través, ou lançando-lhes falsos olhares de compaixão, quando não mesmo expondo-os ao ridículo, ou responsabilizando-os gratuitamente pelo seu infortúnio, insultando-os com um “Vai mas é trabalhar!”, sobretudo em tempos de tenebroso desemprego, ou simplesmente excluindo-os com o gelo da sua indiferença ou suposta invulnerabilidade. Diz-se que a morte só existe para os outros. Para quem assim ajuiza, o mesmo se aplica à miséria e à exclusão. Falso pressuposto.
Disse uma vez Gabriel Garcia Marquez que “Só se olha para outro homem, de cima para baixo, para ajudá-lo a levantar-se do chão.”, mas não é esse o gesto de quem fala de solidariedade e de humanismo apenas quando é Natal, parecendo sempre bem dizê-lo à mesa do café ou em discursos politicamente corretos nos jornais e televisões.
Felizmente, há uma Rua do Frigorífico que, em lugar de representar frieza, simboliza calor e acolhimento para os que a vida deserdou ou dela se deserdaram, não cabendo aqui mais justos ou menos justos julgamentos éticos ou morais.
Infelizmente, por paradoxo, tal como comecei, há cada vez mais ruas da mesma natureza e com o mesmo propósito porque um Estado, que deveria ser Social, se tornou cada vez mais Privado. Privado dos seus princípios e privado de algumas das mais elementares e democráticas obrigações que deveria assegurar aos seus cidadãos, sobretudo aos que cairam no “empobrecimento lícito”, em nome de caprichos neoliberais, do sistema nervoso dos mercados, do egoísmo e da ganância de especuladores e agiotas da alta finança, preferindo salvar bancos e cofres cheios, que só alguns veem, nos seus natais de pés-de-barro, feiras de vaidades, presunçosos foguetórios, restos de caviar e despudorada desresponsabilização.

Roupinha nova para roto e esfarrapado

A proposta de composição do XX Governo Constitucional-Relâmpago apresentada pelo ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, tinha na sua composição um vice-primeiro-ministro e quinze ministros, dos quais oito eram novos.  Um dado muito curioso é que apenas duas nomeações fugiam às fileiras partidárias. Terá sido esquecimento? Erro informático? Extravio de papelada de recomendação dos padrinhos? Vá-se lá saber…
Concretamente, apenas Rui Medeiros, constitucionalista, proposto para ministro da Modernização Administrativa, Ministério que os analistas nacionais afirmam ter sido criado para agradar ao PS, e Margarida Mano, ex-vice-reitora da Universidade de Coimbra, para ministra da Educação, fugiam às linhas partidárias.
Ouço dizer que “os números não mentem”, logo os acima referidos não poderiam ser mais claros, pelo menos para quem for minimamente alfabetizado. Até nem é preciso um “canudo” em economês nas universidades de equivalências conhecidas.
Não obstante, temos de conceder que há sempre outras leituras dos números, porventura só ao alcance de mentes esotéricas ou doutoradas em sofismas. Contra factos, diz-se, não há argumentos, mas, como sabemos, Portugal é um país de inventores, pelo que não falta gente criativa capaz de jurar a pés juntos que o Sol gira à volta da Terra ou, no limite da veia artística das máquinas partidárias, que Salazar era um dos três pastorinhos das aparições. Ora, para PSD e CDS, agora a dormir em camas separadas, (mas unha e carne quando se trata de maquilhar números, desmentir o indesmentível ou justificar o injustificável) os factos aqui registados, em típico politiquês ou fluente pinoquiês, só podem ser inverdades ou desvios da chamada “questão essencial”, (sim, essa mesmo) aquela que toda a gente sabe que não sabe.
Recentemente, a demissão anunciada de  António Lamas (que foi uma escolha de Passos Coelho), e a sua substituição por um ex-governante do PS, desencadearam as críticas do PSD. A título de exemplo, Sérgio Pimpão, coordenador do PSD na comissão de cultura, não demorou a acusar João Soares de “arrogância e prepotência”. Já Sérgio Azevedo, responsável na direção do grupo parlamentar pela área da cultura, optou por um registo irónico no Facebook. “Amigos para siempre”, escreveu em comentário à notícia sobre a proximidade de Summavielle com o ministro.
Carlos Abreu Amorim, deputado social-democrata foi ainda mais longe, na mesma rede social, nas alusões a um favorecimento político, admitindo mesmo cumplicidades maçónicas. Imagino-o, de dedo em riste, com o ar mais santificado e indignado, deste mundo e do outro, a trovejar: “O PS está a encharcar o Estado com os seus apaniguados e “Irmãos”, pacata e alegremente, sem qualquer pudor ou receio de condenação pública. No fundo, pensam, o Estado são “eles” e só foi feito para “eles” dele usufruírem como lhes apetecer”. Que Deus nos livre de presumir, em circunstância alguma, que Carlos Abreu Amorim seria capaz de “encharcar o Estado com os seus apaniguados e irmãos” ou um primo ou sobrinho que fosse! Dito por Carlos Abreu  Amorim ou pelos seus “apaniguados”/“irmãos” não é apenas uma espécie de argumento de autoridade, é uma verdadeira profissão de fé. Admiráveis estas “pérolas” litúrgicas, sobretudo quando proferidas por apoiantes do governo que se preparava para reinar, contando apenas (sublinhe-se “apenas”) com duas nomeações não pertencentes às suas fileiras partidárias. É muito  Portugal à frente da moral e da ética! Desconfio que, por estas e por outras, até o “Emplastro” ficaria melhor na fotografia.Resultado de imagem para fala o roto do esfarrapado
Porém, o PS, talvez para não destoar da “moda”, também fez questão de provar que segue bem de perto a doutrina do mesmo “Evangelho”, posto que o antigo presidente da Câmara e atual ministro da Cultura, João Soares, não deixou de achar absolutamente natural que Mário Barroso Soares, seu filho, 30 anos, licenciado em História, e com uma breve experiência profissional na área para que foi contratado (foi assistente de produção, durante menos de um ano, numa produtora de vídeo) ocupasse o apetecível cargo de assessor cultural na CML. É mais um daqueles especialistas, pagos a peso de ouro, com meses de experiência a “virar frangos”. E, ainda mais espantoso, é que o pai afiança não ter tido qualquer interferência na contratação, o que nos deixa todos absolutamente convencidos e aliviados. Ufa! Como se vê, é tudo feito na maior das transparências e sustentado numa palavra (parece que da realidade virtual) chamada meritocracia.
A este propósito permitimo-nos, por julgarmos apropriado e oportuno, tomar de empréstimo as palavras de Padre António Vieira, na sua inesgotável sabedoria: “Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem.”
Em suma, a gritaria de uns sobre partidarização e “jobs for the boys” é, no mínimo, anedótica, tendo em conta exemplos e práticas comuns. Porém, embora já não surpreenda ninguém, a réplica do modelo por quem antes o censurava não é, de todo, menos censurável. O nepotismo, entendamo-nos, venha ele de onde vier, foi, é e sempre será condenável. Recomenda-se, pois, roupinha nova para o roto e vestuário renovado para o esfarrapado. Só assim terão legitimidade para atirarem pedras aos telhados de vidro do vizinho sem que as mesmas, devolvidas, lhes façam igualmente em cacos os seus.

Dia Internacional disto… dia mundial daquilo

Há dias mundiais para todos os gostos, mas há alguns muito próximos do surreal, para não dizer mesmo do ridículo.
Ora vejamos algumas datas curiosas. No dia 1 de janeiro começamos o novo ano com o dia mundial da Paz. Porém, nem mesmo nesse dia há tréguas na barbárie e no ódio humanos.
A 6 de fevereiro temos outro dia mundial, daqueles que é um verdadeiro desafio ser capaz de conseguir ler sem rir, o Dia Europeu da Internet Segura. Como nos filmes, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
A 8 de março temos o Dia Internacional da Mulher, porventura inventado pelos machistas, pelos floristas ou pelos cobardes praticantes de violência doméstica. Quem as respeita, admira e ama não precisa de datas específicas para prová-lo.
A 2 de fevereiro comemora-se o Dia Mundial das Zonas Húmidas, data com uma designação algo infeliz, que me deixou a suspeita de que há aqui muito potencial para piadas do género “picante”. Já a 15 de março surge o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, todos os dias atropelado, contornado e violado, conforme provam os números da DECO.
21 de março é o Dia Mundial do Sono, o que me traz à retina conhecidos deputados virtuais, daqueles que fazem número no Parlamento, servindo apenas para bocejar, gritar “Apoiado”, “Muito bem! Muito bem!”, levantar-se para o voto, o cafezinho ou o chichi, para logo deixar-se cair nas “caminhas” a que chamam bancadas. Vá que também poderia perfeitamente ser comemorado a 27 de Março, Dia Mundial do Teatro e Dia Internacional do Circo. Atores e palhaços ricos não escasseiam por ali, salvaguardando-se, sublinho, algumas honrosas e muito respeitáveis exceções.
Continuando, a 3 de Maio temos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, dia muito apropriado à realidade de países tão genuinamente democráticos como Angola, Venezuela, Rússia ou Coreia do Norte.
A 9 de Maio, curiosamente, celebra-se o Dia da Europa, aquela que atualmente  já só existe no papel ou nos países do Norte.
Já o 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, e esta é uma proposta minha, não é festejável por quem teve a “brilhante” e muito “patriótica” lembrança de deixar de comemorar o nosso 1 de dezembro, dia da Restauração da Independência nacional. Cristo ressuscitou, mas, atenção, não foi o único. Há por aí muito traidor Miguel de Vasconcelos ressuscitado. Que diriam, por exemplo, os franceses ou os americanos se lhes retirassem o privilégio e a honra de celebrarem a independência?
E como esquecer o 27 de Outubro, Dia Nacional da Desburocratização, talvez só assinalável em Marte…
A 13 de maio cai o Dia Internacional do Comércio Justo. É dia de Nossa Senhora de Fátima, logo é tudo uma questão de fé, que não de racionalidade.
A 4 de junho assinala-se o Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, o que diz muito a pais broncos, pedófilos incuráveis e a muito sacerdote só de nome.
A 20 de junho temos o Dia Mundial dos Refugiados, que, dramaticamente, pelas piores razões e responsáveis, vai tendo lugar todos os dias.
A 8 de Setembro comemora-se o Dia Mundial da Alfabetização, não aplicável a “doutores” como o senhor Relvas ou a engenheiros com “licenciaturas” de fim de semana.
A 4 de outubro chega o Dia Mundial do Animal. Pergunto-me se será que se trata do Animal, homem ou mulher, que maltrata os bichinhos?
E que dizer de 16 de setembro –  Dia Internacional para a Preservação da Camada de Ozono?
Como preservar? Fácil! É só celebrar  o 22 de Setembro, Dia Europeu sem Carros, e resolve-se a questão num ai.
A 31 de outubro calha-nos o Dia Mundial da Poupança, dedicado sobretudo a banqueiros, agiotas e intocáveis empresários que deslocalizam as suas empresas e protegem-se de impostos em paraísos fiscais.
Finalmente, a 25 de novembro, vem chocar contra a realidade o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. A eliminação da violência, ditam infelizmente os horríveis números, é mesmo muitas vezes real, sobretudo quando os supostos companheiros acabam por lhes tirar a vida, depois de aqueles que as deveriam proteger terem feito pouco ou nada para o impedir.
Por último, no dia 3 de dezembro regista-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, o que poderá aplicar-se, do ponto de vista da saúde mental, aos condutores, ditos normais, que estacionam nos lugares reservados a pessoas a quem assiste esse direito.
No fundo, o dia 1 de abril, dia das mentiras, poderia aplicar-se com toda a propriedade à esmagadora maioria de todas estas datas, tantas vezes cheias de simbolismo, mas tantas vezes vazias de correspondência concreta.
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Os livros de autoajuda são assim designados porque ajudam quem os vende

Os livros de autoajuda vendem mais que lenços de papel em período de narizes a pingar. Por exemplo, a  australiana Rhonda Byrne já vendeu mais de um milhão de livros e, segundo se diz, tornou-se famosa por acaso. Em 2004, a sua vida era um caos. A morte do pai, vítima de leucemia, foi apenas o início de um ano complicado. Além da depressão, os problemas financeiros da produtora de televisão de Rhonda deixaram-na à beira da falência. A australiana estava até a perder autoridade sobre a sua equipa e os conflitos eram tantos que nem se falavam.
No dia em que ficou a saber que estava quase falida, a mãe telefonou-lhe a dizer que se queria suicidar. Rhonda não sabia o que fazer, mas a sua filha mais velha, Hailey, na altura com 24 anos, mudou-lhe a vida. “Quando terminei de desabafar todos os meus problemas, a minha filha apenas respondeu:”Vai correr tudo bem.” Mais uma daquelas frases que só servem de consolo, pensei eu. Então, ela saiu, voltou com um molho de fotocópias e disse-me: “lê isto”, contou Rhonda aos jornalistas.
As fotocópias eram o livro The Science of Getting Rich, de Wallace Wattles. Na obra de 1910 estava a base do livro O Segredo: a lei da atração. Wallace Wattles defendia que os pensamentos das pessoas funcionavam como ímanes, ou seja, que os bons pensamentos atraíam prosperidade e os negativos situações desagradáveis. Em menos de duas horas Rhonda leu o livro. Mais tarde pesquisou sobre o assunto e decidiu que tinha de partilhar o segredo. Partilhou tanto que acabou milionária, quase do dia para a noite.
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Mas muitos outros títulos há, chamados, e bem, de autoajuda, uma vez que autoajudam financeiramente quem os escreve e publica. Esclarecidos? Se o verdadeiro propósito fosse o de ajudar o próximo, seria muito mais lógico que fossem designados como livros de heteroajuda, ou não? No entanto, o que mais salta à vista é que se fica com a sensação de que ler um é ler todos, tal a semelhança de ingredientes e modos de cozedura. Viver a Vida a Amar, por exemplo, partilha connosco a ideia extraordinariamente “original”, iluminada, diria mesmo “genial”, de que: “a vida só pode ser vivida a amar e ser amado. Só assim é que faz sentido.”, como se pode ler no resumo do livro. Obviamente, para mim, esta foi uma “descoberta”, uma “revelação “ quase divina, uma epifania, como hoje se diz. Depois deparei-me com A Grande Magia, obra na qual, segundo o resumo, “Com uma capacidade de empatia notável e uma generosidade ímpar, a autora apresenta-nos a sua visão da misteriosa natureza da inspiração”. A princípio cheguei a pensar que fosse um manual dos incríveis truques de Houdini, mas garantiram-me que não. Jurei Mudar é outro livro de autoajuda, daqueles que fazem lembrar a passagem de ano e as eternas promessas, só promessas, na maioria dos casos, enquanto se trincam umas passas.  Já da obra, originalíssima,  Mindfulness – O Livro de Colorir é que não estava nada à  espera! Como dita o resumo, “Tudo o que precisa para relaxar está aqui: lápis e desenhos para colorir. Ansioso? Stressado? Não vale a pena. Faça uma pequena pausa.” Penso que deve dar muito jeito, sobretudo nas caixas de supermercado, na atracagem de navios ou a meio de intervenções cirúrgicas. Um verdadeiro “must” para crianças dos 8 aos 88. Dizem que é do melhor para o aumento dos índices de produtividade dos países do Sul, acrescido de um notável incremento da qualidade dos serviços prestados. Muito útil para alguns deputados virtuais no Parlamento e em Comissões de Inquérito, calculo. Pegadas na Areia é outro título sugestivo, estranhamente, imagine-se, Inspirado por uma caminhada na praia há 50 anos. Juro que fui apanhado, assim, de surpresa. Quase não chegava lá, tal o carácter codificado e enigmático do título. Diz o resumo que “Algumas histórias deixá-lo-ão de lágrimas nos olhos, já outras colocar-lhe-ão um sorriso no rosto.”, o que parece especialmente indicado a personalidades bipolares.  O Cavaleiro da Armadura Enferrujada  penso que deverá ser um manual destinado a oficinas automóveis de pintura ou a técnicos de restauro de sucata.  Já O Monge que Vendeu o seu Ferrari, confesso que me apanhou desprevenido e algo confuso, mas logo comprendi que a rede viária do Tibete e o relevo acidentado talvez não seja o mais apropriado para Ferraris ou Lamborghinis, razão que justifica naturalmente a venda do carrito. O Monge que vendeu o jipe ou o boi de carga parecer-me-ia, ainda assim, mais credível. Eu Amo-te e às Vezes a Outras Pessoas,desculpem-me a sinceridade, mas foi uma obra que nem folheei por questões de natureza moral. A sério, parece-me um convite à infidelidade,a poucas-vergonhas e maus exemplos, com toda a certeza. Arrisca-te a Viver – 114 Perguntas e 11 Exercícios que vão Mudar a tua Vida é outra recomendação, porventura para ler em velórios e serviços fúnebres. Mulheres Inteligentes, Relações Saudáveis fez-me pensar que as mulheres, ditas menos inteligentes, estão condenadas a relações doentias. Imagine-se, então, o resultado de uma união entre homens menos inteligentes e mulheres menos inteligentes… Que Deus nos livre!
Em suma, leia-se ou não uma biblioteca de ajuda, uma coisa é certa: apenas existe uma ajuda eficaz: a nossa. Podemos ler todos e mais um par de botas, mas se não tomarmos a decisão de enfrentar e resolver a situação, tanto emocional quanto materialmente, o resultado será um fracasso.
Ou seja, na verdade, somos nós os arquitetos do nosso destino. Logo, autoajude-se. Escreva um livro de autoajuda do tipo “A resposta está em ti”. Desconfio que não faltarão compradores, dispostos a pagar fortunas, para descobrir qual a cor do cavalo branco de Napoleão.

O mal deu em batatinhas

Em tese, ninguém pode pôr em causa as competências ou a nobre missão das comissões de Inquérito do Parlamento.
Na prática, apesar do trabalho meritório que há que justamente reconhecer a muitas dessas comissões, permanentes ou eventuais, até à data é lamentável concluir que, tudo bem somadinho, quem tem mais razões de regozijo e gratidão para com as mesmas são exatamente os que a elas têm sido “convidados” a dar explicações ao longo dos anos.
Em bom rigor, ainda não saímos de uma e já estamos a assistir a outra, exatamente com iguais motivos, o mesmo triste “argumento”, e, para não perturbar a “estabilidade política”, e outras, os mesmíssimos resultados.
Invariavelmente, em razão de o “mal dar em batatinhas”, os portugueses já se habituaram a  concluir que  a responsabilidade vai sempre parar ao início da nacionalidade.Resultado de imagem para impunidade
Não sei se alguém estaria à espera que algum dos inquiridos assumisse responsabilidades, mas absolutamente “naif” seria esperar  desculpas… por alegados “lapsos”, faltas de memória ou confusão mental…
Como dizia um dos mais distintos inquiridos, “As desculpas não se pedem, evitam-se”.
Improvável, muito ingénuo mesmo, seria esperar que o adágio fosse convertido em “As desculpas pedem-se, não se evitam”, mas isso, grita a evidência, seria o mesmo que acreditar que o Pai Natal não tarda em descer pela chaminé ou que o Inferno já desceu a graus negativos.
Só encontro equivalente inocência em esperar que Medina Carreira se esquecesse  dos seus gráficos do “Apocalipse” ou arriscasse ter como convidado alguém que com ele esboçasse, sequer timidamente, o contraditório. Fica para quando Noé voltar a separar as águas. Mas, vamos ter fé!
Para além da virose de amnésia, “agora assim de repente”…  “não me lembro”… “não sei” ou, simplesmente “não… não… e não”,  sacudindo a lama dos sapatos para anteriores inquiridos ou seguintes, aquilo a que temos assistido nas Comissões de Inquérito tem sido aritmeticamente igual à certeza de que a punição é tal qual a conhecida salvaguarda das obras cinematográficas de ficção “qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”.
Em caso de dúvida, nas respostas evasivas, tergiversações e desmentidos a dar ou silêncios convenientes a manter, há sempre o conselho avisado do batalhão de advogados de elite ou o emaranhado de “inglês técnico” para “esclarecer” as chamadas pessoas “lá de casa”.
Ora, se o objetivo é clarificar, nada mais clarificador e consequente!
Alguns dos inquiridos, dir-se-ia que são já quase residentes, a avaliar pela repetição das visitas às comissões. Para poupar em despesa, talvez não fosse má ideia mudar o mobiliário e desenrascar, sei lá, beliches, pantufas e pijaminhas.
Custa-me ver espatifar fortunas em água engarrafada, e na fatura da luz, para além das resmas de fotocópias “à discrição” que o erário geme.
No limite, quase apetece pedir que nos poupem a  “peças de teatro” já demasiado vistas ou a falas  de “cinema-mudo”, com os “maus-da-fita” a partirem, de arma ainda a fumegar, nos cavalos do Rolls-Royce, antes do correr das cortinas, comos “heróis” rumo ao pôr-do-sol.
Formal, e inofensivamente, reza o “protocolo”, tudo termina com um relatório descritivo dos trabalhos realizados, contendo as respetivas conclusões.
E depois? Quais as consequências práticas de tais relatórios? Quais as consequências de tais pareceres?
Para “variar”, nada mais simples. As audições revelam frequentemente preocupantes aspetos das relações entre os vários poderes, designadamente promiscuidades, manipulação de informação e distorção da realidade, correspondendo a práticas que têm vindo a acentuar-se e a contribuir de forma significativa para a degradação do regime democrático. Pelo número significativo de audições realizadas, mas também pela sua amplitude e abrangência, as denúncias apresentadas e as revelações são finalmente tidas como um património de informação inédito de inegável valor e que confere uma nova visão, mais real e objetiva, independentemente de contradições, sempre expectáveis dada a natureza antagónica dos diferentes interesses em presença, e a confrontação com os depoimentos e relatos realizados com o conjunto de objetivos iniciais que as Comissões se propõem avaliar. Em suma, o que se prova é que nada do que se prove fará prova de nada.
Só para que conste, convém saber-se que quando há maioria absoluta, ou coligação, o relatório das comissões de inquérito é do(s) partido(s) que a suportam, bem como a pessoa responsável por fazer a proposta de relatório final. Aconteceu com a maioria absoluta de José Sócrates e voltou a acontecer com Passos Coelho. Isenção garantida!!!
Há quem diga que de admirar seria se fosse o contrário, talvez por força de, alegadamente, controlar danos e branquear vigarices. Que ideia! Em todo o caso, é preferível ficarmos no plano das suposições porque, afinal,  o resultado é inconsequente e “o que interessa é participar”, “perder ou… perder é desporto”.

As pessoas “lá de casa”

No momento em que escrevo, como tantos milhões de portugueses, acabo de descobrir que sou mais uma pessoa “lá de casa”.
De resto, quer se queira, quer não, na boca de alguns comentadores “iluminados”, “explicadores” ou “tradutores”,  residentes ou visitantes, que pululam um pouco por todos os canais de televisão ou da rádio, os telespetadores ou ouvintes (supostamente  menos “iluminados” e informados que os ditos cujos) são pessoas “lá de casa”.
As especialidades são muito variadas. Temos o “comentador jornalístico-político”; o “comentador mix político&entertainer”; o “comentador político de carreira” ou  o “analista-jornalista económico”, com ou sem a bengalinha dos gráficos deste mundo, e do outro, para todos os gostos, leituras, conveniências e manipulações.Resultado de imagem para a ver televisão
Esteja no seu local de trabalho, em viagem ou a almoçar na cantina, quem acompanha a atualidade informativa ou quem tenha o “azar” de estar eventualmente sintonizado com a televisão ou a rádio, em alguns programas específicos, sujeita-se a apanhar com esses enciclopedistas do Renascimento, a papaguear “de Cátedra”, como quem explica Cibernética para Totós, ou como quem fala  de “Inglês Técnico” a inocentes criancinhas em pré-aquisição de linguagem.
A meu ver, temos em mãos um caso de clara injustiça, para não dizer de manifesta e descarada discriminação.
Então (pergunto-me eu) por que carga de água não se dirigem às pessoas “lá do café”, às pessoas “lá do restaurante” ou, ainda mais grave, às pessoas “lá das salas  de espera de hospitais e clínicas”? Também não são gente? Ah, mãe “cui nervos”! É de ir aos arames!
Na área desportiva, também merecedora de análise, o caso dos comentadores agrava-se. Basta termos, por exemplo, o senhor Freitas Lobo ao microfone, e um jogo de futebol transforma-se de imediato numa espécie de código em sinais de fumo só acessível a quem domine o  hermético “freitaslobês”.
Além disso, dada a paixão incontida e as figuras de estilo de Freitas Lobo, um jogo entre solteiros e casados ganha logo a qualidade estética e literária de um Barcelona-Real Madrid ou um workshop de bordado, com tipos de linhas, entrelinhas, linhas subidas, caseados, ponto-cruz…
Já se por acaso num desafio de futebol existir uma grande penalidade, mas os ilustrados comentadores decidirem que não é, não é.
E então se for acompanhado da catrefada de fotocópias e fotografias de todos os planos, e outros, do comentador picareta-falante Pedro Guerra, grande glória de futebol do Damaiense, não há quem prove o contrário. Nem que Deus desça à Terra. Até porque Deus não jogou futebol e, como diz Pedro Guerra, é preciso ter jogado futebol para saber de futebol. José Mourinho, como se sabe nunca jogou futebol, logo está a milhas dos doutos conhecimentos futebolísticos de Pedro Guerra. Parece-me absolutamente lógico.
Sobre lições de anatomia e toda a sorte de lesões e mazelas também não faltam comentadores especialistas de fazer inveja a ortopedistas, fisioterapeutas e cirurgiões na área da medicina desportiva.
No fundo, ser pessoa “lá de casa” é arriscar-se a ser presenteado com gratuitos atestados de ignorância, esses sim, passados por alguns (e não são poucos) pseudo-intelectuais ou pseudo-especialistas.
Poderá, contudo, dar-se o caso de estarem a fazer publicidade manhosa de uma loja “online” de artigos para o lar que dá pelo nome de “Pessoas lá de casa”. Está na net. A sério.
O mais irónico é que ainda lhes pagam, e ao que se sabe, jeitosíssimas quantias, na ordem de milhares de euros, quando muitas pessoas “lá de casa” ou de “lá de onde o diabo perdeu as botas” pagariam dobros pela divina graça de não os ouvir.

Os 100 dias de Marcelo

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Passos Coelho disse que era de evitar eleger um Presidente “cata-vento”, e outros, talvez por dor de cotovelo da energia Duracel (passe a publicidade) de Marcelo, chamaram-no “hiperativo”. Enfim, invejas de quem gostaria de dormir apenas 4 ou 5 horas por noite a ler 3 ou 4 calhamaços.
Não que a alegada “hiperatividade” possa ser desconsiderada. Veja-se quantos pais têm orgulho nos filhos “hiperativos”, incentivando-os mesmo a serem-no todo o santo dia. De manhã, escola; à tarde, explicações e muay thai; à noite, e madrugada fora,  o extenuante face. Ainda assim, sempre é melhor ser “hiperativo” que ser um pastelão. Ainda assim, insisto, mais vale atribuir comendas no 10 de junho a cidadãos anónimos, exemplo de heroísmo e verticalidade, do que a figuras públicas de reputação algo suspeita, para não dizer muito pouco recomendável. Ou seja, Marcelo recuperou o prestígio e a imagem da função presidencial, repondo os níveis de popularidade que a instituição Presidência da República historicamente tinha.
Difícil, difícil, imagino, será escolher jornalistas que se adaptem a um PR “hiperativo”, o que me leva a pensar que talvez não seja má ideia escolher os mais “hiperativos”. Não é por nada. É só porque calculo que muitos dos que o acompanham na “lufa-lufa” estejam já a precisar de sopas e descanso. Presumo que seja menos estafante acompanhar um tanzaniano  numa Maratona no Quilimanjaro, debaixo de 50 graus centígrados…
Durante o período de 100 dias, o chefe de Estado teve nada mais nada menos do que 250 iniciativas, o que perfaz uma média de 2,5 iniciativas diárias para estar, tal como prometeu, “o mais próximo possível das pessoas”, e apenas não esteve em antena 18 dias. Entretanto, já fez sete viagens ao estrangeiro e já tem em preparação mais três, um périplo por Cuba, México e Colômbia, previsto para Outubro.
O que é facto é que o estilo do Presidente pegou de estaca e a sua popularidade não para de subir nas sondagens. Nada surpreendente é a sua disponibilidade para selfies e conversas, viajando de Norte a Sul e cumprimentando, desde o mais modesto funcionário a membros do corpo diplomático, confirmando-se a sua propensão para os afetos, que não para ódios de estimação e ambientes de crispação de cortar à faca de outros tempos e protagonistas.
Na deslocação ao Alentejo que designou de “Portugal Próximo”, Marcelo explicou: “Quando de vez em quando me perguntam – e a comunicação social gosta muito de perguntar – se não há risco de aparecer muitas vezes, eu pergunto: como é que é possível estar próximo, estando distante? Ou se está próximo, ou não se está próximo”. Nada mais esclarecido e esclarecedor. Ossos do ofício de antigo professor. Goste-se ou não, o novo Presidente distingue-se nos programas, no registo ativo e de proximidade com os cidadãos, claramente a anos-luz do seu antecedente: austero, com falta de pilhas, e mais propenso a pantufas e robezinho.
A primeira visita de Marcelo à Região Autónoma da Madeira está marcada para o início de julho, coincidindo com o Dia da Madeira, e estão previstas para este ano novas edições do “Portugal Próximo” em Trás-os-Montes, em julho, e na Beira Interior, mais tarde. Há já quem diga que Cristo pode ter descido à Terra, mas Marcelo está em todo o lado. Porém, apesar de inovar no estilo e desdramatizar o clima político, Marcelo está atento e  não deixou de lançar advertências sobre a evolução económica e até sobre possíveis efeitos das eleições autárquicas. A dúvida que fica é se a prática de falar sobre tudo, e todos os dias, será positiva, podendo correr-se, segundo alguns analistas,  o risco de banalizar demasiado o poder de intervenção do Presidente. Em todo o caso, apoie-se o caso raro e rápido de consensualidade na política nacional ou, inversamente, não se veja a hora do seu fim, há que tomar como positiva a pedagogia da sua intervenção política e cívica, a par da sua proximidade com o cidadão comum e a dessacralização da função presidencial.  Tem plena consciência de que é o primeiro catedrático de Direita eleito por sufrágio direto e universal, o que o obriga a dar o exemplo de um Estado de Direito. Em face do exposto, não nos restam dúvidas de que certamente o fará.

Quando a saudade aperta…

Interrogado, pouco antes da sua saída (felizmente definitiva, já lá vão gloriosos três meses) se fez tudo como quis e tudo bem ao longo dos seus dois mandatos em Belém, Cavaco Silva, em modestíssima “autoavaliação” disse a rir: “tudo, tudo, tudo”. Claro que não poderia ser de outra maneira, a não ser a rir. Então não se diz que é uma virtude uma pessoa rir-se de si mesma? Chega mesmo a ser hilariante se pensarmos que Cavaco fez “tudo, tudo, tudo” tão bem, tão bem que acabou por sair pela porta do Portugal dos pequeninos, com a pior popularidade presidencial desde que vivemos em democracia. Até Salazar conseguiu ser mais popular numa sondagem realizada pela RTP aqui há uns anos!
Minha Nossa Senhora, mesmo na hora da partida de Cavaco (e  já foi tarde)  não havia um espelhinho à mão.Resultado de imagem para cavaco silva
“Tudo, tudo, tudo” uma perfeição, a saber: a venda das ações da SLN/BPN, a compra do Pavilhão Atlântico, a urbanização duvidosa da Quinta da Coelha, as resmas de condecorações a gente de carácter para lá de duvidoso. Claro, e sem esquecer  os amigalhaços do costume, como o “beato” Oliveira e Costa, o “angelical” Rendeiro ou o “sacrossanto” Dias Loureiro. Fica ainda a sua admirabilíssima gestão governativa, designadamente na forma como lidou com os fundos comunitários, a entrada na (então) CEE, com o clientelismo, com as pescas e o mar, a agricultura ou o “monstro da Administração Central”.
Tudo, tudo, tudo de acordo com o «nunca me engano e raramente tenho dúvidas», ou “Para serem mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes”.
Fora isso, só me vêm à memória os “míseros” 10 000 euros que não lhe chegavam para as despesas, a garantia da solidez inabalável do BES, o deslumbramento com o sorriso feliz das vaquinhas dos Açores, a sua gastronómica preferência pelo bolo-rei, entre outras pérolas dignas de antologia.
“Fiz tudo, tudo bem e mereço descanso”,disse. E os portugueses, naturalmente a morrer de saudades, ainda mais descanso  merecem… dele.
Consta que irá recolher-se, talvez “em oração” e “retiro”, numa ala já restaurada do Convento do Sacramento, (o mesmo para onde se retirou Madalena de Vilhena, a personagem trágica em que se inspirou Almeida Garrett para a sua peça Frei Luís de Sousa), onde foi instalado o seu muito austero e pobrezinho gabinete de ex-Presidente.
É nesse retiro espiritual que deverá terminar as suas dormentes Memórias, além do ansiolítico volume dos seus roteiros, perfeitos substitutos da clássica contagem de ovelhinhas para insónias e afins.
Contrariamente a Santana Lopes, Cavaco prometeu “Não andarei por aí.”, o que, à partida, poderia deixar-nos muito mais tranquilos, gratos e felizes.
Contudo, antes que comece o foguetório, fica aqui uma nota de prevenção rodoviária. Consta que Cavaco está a reaprender a conduzir, depois de 10 anos a ser conduzido, e houve mesmo quem dissesse que para evitar mais “desastres” talvez não fosse má ideia ser agora Maria Cavaco Silva a pegar no volante, caso contrário pode não ser de afastar a assustadora perspetiva de uma drástica quebra do turismo no Algarve, já que muitos condutores, pelo sim, pelo não, ameaçam evitar as estradas algarvias.

Nódoas éticas política-empresariado

Afinal, não foi só o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade a viajar até ao Euro 2016 com viagens pagas pela Galp. Segundo revelou o “Público” ontem, o secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos também se deslocou a convite da petrolífera. Porém, este governante “pagou um bilhete de avião”, disse o gabinete de imprensa do Ministério da Economia.
Certo é que, sendo ou não sendo a solução o pagamento ou o reembolso, a nódoa ética ficou.Resultado de imagem para viagens deputados
Porém, embora menos vergonhoso, não deixam de ser também criticáveis as faltinhas supostamente não patrocinadas de alguns políticos e as suas anedóticas justificações, invocadas aquando das suas idas aos jogos do Euro 2016.
Luís Montenegro, por exemplo, justificou a falta ao plenário no dia da meia-final do euro 2016 com o já “clássico” argumento esfarrapado do  “trabalho político”. Já Hugo Soares, também inspiradamente, justificou a falta com o muito “criativo” “motivo de força maior”. Por último, dois sociais-democratas recusaram justificar a falta. Nada como o desprezo, a reserva, e o “silêncio dos inocentes”.
Houve seis deputados que foram ver a meia-final entre Portugal e o País de Gales, em Lyon, e que faltaram ao plenário nessa tarde: cinco do PSD, um do PS, designadamente  o presidente da Assembleia da República. Justificações houve para todos os gostos e só dois dos deputados, Cristóvão Norte e Emídio Guerreiro, do PSD, entenderam não justificar a falta. Opções religiosas, quem sabe… Na verdade, há razões que a razão desconhece.
Campos Ferreira chegou a dizer tratar-se de um assunto da “vida privada”, o que também é de uma “originalidade” só ao alcance de génios ou da licenciatura de Miguel Relvas.
Hugo Soares, por sua vez, justificou o “motivo de força maior” da seguinte forma: “Entendi não pôr trabalho político. Mas estava a representar os portugueses. Sou deputado 24 horas por dia“. Fica uma sugestão: se a ideia era representar os portugueses, era sua obrigação acompanhar os estágios, treinos, e não falhar um jogo que fosse. Isso, sim, seria ser deputado 24 horas por dia. Foi pena não nos ter pedido aconselhamento.
Juridicamente, é considerado “força maior” todo o evento imprevisível e insuperável cujos efeitos se produzem independentemente da vontade do operador, designadamente as situações de catástrofe natural, atos de guerra, declarada ou não, de subversão, alteração da ordem pública, bloqueio económico e incêndio”. Eduardo Ferro Rodrigues aceitou os motivos apresentados. Todos eles absolutamentes consistentes com a definição jurídica de “força maior”. Ele mesmo foi ver o jogo a Lyon, mas em representação da Assembleia da República. Terá ido patrioticamente ao balneário dar a táctica? O socialista estava “ausente em missão parlamentar“, uma justificação automática, uma vez que só acontece por despacho do presidente da Assembleia da República. A partir de agora, por esta lógica, faltar ao trabalho para assistir a uma partidinha de futebol é “missão parlamentar”. Bem se diz que Portugal é um país de inventores.
No caso de Rodrigues, é o próprio que valida as suas missões, não fosse ele o presidente.
É claro que estamos a falar do Euro 2016. Um acontecimento social, económico e cultural que quer se queira, quer não tem um peso enorme e, como tal, deve ser promovido politicamente. Não vejo mesmo outras áreas que devam reclamar muito mais apoio político… Mas então os deputados, só por irem ao euro, são reprováveis? Nem me passa pela cabeça tal heresia. Agora ir é uma coisa, ir patrocinado é outra, ir patrocinado por empresas em litígio é ainda outra.  Do mesmo modo, Tentar justificar o injustificável através de uma pseudo-argumentação absolutamente ridícula e abjeta  é quase tão fantasioso como a ficção científica. Afinal, quem é que nunca culpou o trânsito, uma constipação, um mal-estar, dores de cabeça, para um arranjo da vida? Em relação aos deputados do PSD e CDS,  penso que seria também importante saber quem  lhes pagou a deslocação .Não é por nada, mas, só para se ter uma noção do grau de promiscuidade a que se chegou, basta referir que só a Caixa Geral de Depósitos, a EDP, a PT e a Galp já empregaram 68 ex-ministros e secretários de estado ligados sobretudo ao PS, PSD e CDS/PP que já no período da democracia ascenderam a cargos bem remunerados em quatro empresas. Será fartar vilanagem? Ou fartar vilanagem?  Acumularam experiência e influência política nas equipas governamentais, aproveitando depois para transitar para as administrações e órgãos sociais destas quatro grandes empresas. Destes, houve 40 que saíram diretamente dos gabinetes do Terreiro do Paço para os novos cargos nestas empresas. A Caixa Geral de Depósitos é a campeã no ranking empregador de ex-ministros e secretários de Estado (23), alguns deles ainda em exercício como é o caso do próprio presidente do banco público, Faria de Oliveira, que foi ministro do Comércio no governo de Cavaco Silva entre 1990 e 1995. Segue-se nesta lista a Portugal Telecom(19), a EDP e a Galp (ambas com 13). Ao analisar apenas os homens que lideravam os Ministérios, verifica-se que 38 levaram apenas um ano (ou até menos) para empregar- se em lugares de destaque em empresas públicas ou privadas, sendo que mais de metade (20) foram mesmo para empresas públicas ou com participações do Estado.
“Quando saí do Governo tive vários convites para ir trabalhar”, reconheceu em 2008 Manuel Dias
Loureiro, ex-ministro da Administração Interna de Cavaco Silva, reconhecendo que sobretudo os contactos que fez no mundo da política o “ajudaram” na vida empresarial que se seguiu (incluindo passagem pelo BPN). O mais curioso é que nunca lhes passa pela cabeça demitir-se, ou, como a senhora Maria Luís Albuquerque e o senhor Durão Barroso, recusar os “tachos de porcelana” na Arrow Global ou na Goldman Sachs. Que seja “legal” não quer dizer que as pessoas que nos representam ou nos representaram não devam ter alguma vergonha na cara. A única solução seria fazer uma lei clara para evitar as portas giratórias e os “presentes” das empresas aos responsáveis políticos.  Repare-se que as escolas de formação dos atuais políticos são as jotinhas, os partidos e os lamaceiros da política municipal. É nestes viveiros e colinhos que singram os golpistas, e quem tem falta de carácter. A fome de enriquecer e extrair benefícios pessoais é o propósito, o único, em muitos casos. Certo é que a pouca vergonha nunca mudará, sobretudo enquanto não pudermos escolher os nossos deputados, em listas abertas, e acabarmos com a ditadura dos partidos. Como alguém dizia, isto é só uma caixinha de robalos, não é corrupção.

Ó… Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!


Um recente relatório europeu diz que Portugal está em terreno negativo na capacidade de resposta dos tribunais. É mesmo o sexto pior entre 47 países europeus.
No que diz respeito à eficiência e capacidade de resposta dos tribunais nos processos civis e comerciais – a maioria dos litígios que envolvem cidadãos e empresas – a Justiça portuguesa é das piores da Europa, ocupando a sexta posição a contar do fim entre os 28 Estados-membros da UE.
O tempo de demora de um processo em tribunal é também um dos mais elevados da UE. Também aqui o país ocupa a 4ª pior posição (quase nas medalhas olímpicas de pechisbeque), ultrapassado apenas por Estónia, Eslovénia e Dinamarca.
À luz desta evidência, foi com alegria incontida (talvez só comparável à de ser mãe/pai ou vencedor do Euro 2016) que soubemos que o Tribunal autorizou,desta vez, sem demora, Ricardo Salgado, o Dono Disto Tudo, que, pelos vistos, continua a ser o Dono Disto Tudo, a ir de férias para a Comporta. E ainda há quem diga que a nossa justiça é morosa!!! Veja-se como neste caso “comovente” houve eficiência, capacidade de resposta, celeridade!!!
A nossa justiça, implacável, e neste caso muito bem oleada, entendeu que o ex-banqueiro do BES pode gozar férias fora de casa, mas não pode ausentar-se do país, nem mesmo para a acolhedora e fresquinha Sibéria.
Aplaudimos de pé a primeira parte. Lamentamos, porém, não poder bater palmas à segunda decisão. Desta vez, a justiça foi longe de mais, mas, pronto, é assim, tem mão demasiado pesada com gente demasiado pesada…
O antigo e exemplar presidente do Banco Espírito Santo deixou de estar sob prisão domiciliária há alguns meses, recorde-se.
O misericordioso juiz Carlos Alexandre, do alto dos seus super-poderes, determinou agora que, nos próximos 30 dias, Salgado terá de se apresentar não em Cascais, mas sim na GNR da Comporta, onde irá passar as suas merecidas férias, deixando os portugueses com “uma lágrima no canto do olho”, tanta foi a emoção e concordância em face de tão magnânimo gesto.
Como se sabe, a Comporta é um “pobrezinho” destino de férias para idosos com reformas e pensões de miséria, desempregados, gente roubada por bancos, banqueiros, gestores ou administradores canalhas, privilegiados com o ordenado mínimo, mas, vá lá, sempre foi melhor que um vazadouro municipal.Resultado de imagem para ricardo salgado
É, em todo o caso, compreensível. Depois de onze meses de férias, não era de esperar que um trabalhador tão ocupado gozasse menos do que um mês de férias. Caramba,um homem não é de ferro!
Note-se, a título de curiosidade, que a decisão foi tomada depois de um pedido dos advogados de defesa do antigo banqueiro (uma coisa de fazer chorar as pedras, imagina-se).
Violinos à parte, não há como não compreender o gesto de quase divina misericórdia, a fazer lembrar, dizia alguém, amnistias ou bulas papais. É, na velha tradição, a justiça portuguesa igual a si própria: fraca com os fortes, forte com os fracos.
O que interessa é que Salgado “vai a banhos” e é um homem livre durante 30 dias. Claro que os chamados espoliados (roubados e aldrabados, sem eufemismos) do BES pagam-lhe as modestas férias (agradecidamente e de bom grado) com o dinheiro que não têm para comer ou para fazer férias debaixo de um vão de escada. Já dizia o poeta, Ó… Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!
Isto depois de a “remediadinha” Galp recusar-se a pagar os seus milionários impostos, impunemente, o que também não é menos divino em matéria de justiça fiscal. Será uma espécie de “imunidade diplomática”?
Acrescente-se, para regozijo da moralidade e dos bons costumes, a inacreditável sentença recentemente aplicada ao militar da GNR, Hugo Ernano, que só nos pode levar a desacreditar ainda mais fervorosamente na justiça dos nossos tribunais, desfazendo quaisquer dúvidas sobre a idoneidade de grande parte dos nossos juízes. Deixar um profissional (que nada mais fez que o seu dever) na miséria, obrigando-o a indemnizar milionariamente, para mais humilhação e revolta, os ladrões que tudo causaram é, de facto, de gente de juízo!
E que dizer, ainda, do Tribunal Constitucional e do seu enternecedor argumento em favor da reposição das pensões vitalícias, alegando que medidas excecionais não se devem prolongar durante muito tempo e que os deputados e políticos merecem receber a subvenção porque criaram expectativas e estavam a contar com ela. Os funcionários públicos, pensionistas e reformados também não criaram expectativas, sendo obrigados a deixar de contar com elas? Hugo Ernano também não teria expectativas de que a lei em que acreditava lhe fizesse justiça, em lugar de o punir draconianamente, atirando-o para a miséria e exclusão, como se de um ignóbil criminoso se tratasse?
Voltando ao caso salgado, é bom lembrar que foi já no início de 2016 que o juiz Carlos Alexandre transformou a prisão domiciliária do ex-banqueiro em apresentações periódicas. É, sem dúvida, comovente saber que os desempregados têm o mesmo tratamento que os suspeitos de crime com medida de coação como a de Salgado: apresentações periódicas, só que nos Centros de Emprego, e ainda há quem diga que não há igualdade… O que é certo é que Salgado precisava de descansar, não lhe fosse cair um braço! Afinal de contas, (a palavra “contas” não é de todo mera coincidência) ser dono disto tudo, e manter a titularidade, dá muito trabalho, suores e canseiras, há que reconhecê-lo.
Perante este cenário décimo-mundista, quem se atreverá a dizer que o aparelho da justiça está ao serviço dos poderosos? Populismo? Inverdades ou, em bom politiquês, essa não é a questão essencial?
Só se estranha Salgado não ter sido dispensado para ir de férias ao Panamá tratar de assuntos particulares… Mas há que ter fé e saber esperar.
Quem pode, pode!

A manipulação informativa/deformativa

Num mundo marcado pela avalanche diária de informações, onde a complexidade dos factos, dados e eventos é evidente, o processo de distorção informativa provocado pela manipulação de contextos por alguma comunicação social permite perceber como é importante identificar o ADN de uma notícia.Resultado de imagem para virar o bico ao prego
Vem esta nota introdutória a propósito de alguma comunicação social mais apressada ou manipuladora ter, nas últimas semanas, espalhado aos quatro ventos notícias claramente feridas de exatidão, isenção e rigor.
Primeiro, para não destoar da chamada Silly Season, tivemos a falsa notícia de que o atual Executivo decidira acabar com a isenção do imposto de circulação automóvel (IUC) a pessoas com deficiência, esquecendo-se os manipuladores (!!!) de informar que a medida se aplicava quando o imposto a pagar excede os 200 euros, e apenas na parte que ultrapassa os 200 euros. Ou seja, o proprietário de um carro que tenha de pagar um IUC de 250 euros, por exemplo, acaba por pagar apenas 50 euros na altura em que tiver de o fazer. Seriam pormenores? Informações de somenos importância? Ou o segredo do negócio está em ser, conveniente e subrepticiamente, seletivo?
Registe-se que a este propósito, o Ministério das Finanças veio esclarecer que, do universo total de veículos, cerca de 90% estão em condições de obter uma isenção total, ou seja, pagam menos de 200 euros de IUC, e 8% dos veículos terão valores de IUC a pagar inferiores a 50,61 euros. Resumindo, nas contas do fisco, apenas 2% dos veículos terão valores de IUC a pagar superiores a €50,61, havendo, afinal, limites mínimos. Mais uma vez, pormenores, mas o que vale é que a mentira tem perna curta.
Como não há uma sem duas, os habituais intoxicadores da opinião pública voltaramà carga com a notícia habilidosamente manipulada de que a Autoridade Tributária passaria a ter acesso a todas as contas dos residentes em Portugal, mesmo que sem suspeitas ou acusação de delito fiscal.
Não obstante, depois da manipulação, desconhecimento ou incompetência na divulgação da notícia, e depois de os do costume procurarem insidiosamente “envenenar” a opinião pública, abrir telejornais, suscitar correntes de especulação, censura e ataques virais nas redes sociais, a verdade acabou por ser reposta quando se soube por alguns órgãos de comunicação social (apenas alguns mais sérios) que a medida só se aplica a saldos acima dos 50 mil euros. Abaixo desse valor, ficarão fora do radar de controlo.
Acresce que o Ministério das Finanças adiantou que os bancos só serão obrigados a fornecer essas informações quando os saldos das aplicações financeiras dos clientes que residem em Portugal ultrapassarem o limiar dos 50 mil euros. No caso de um não residente com contas bancárias em Portugal, o Fisco português irá fornecer à entidade homóloga do país onde essa pessoa vive os saldos e juros de todas as aplicações financeiras. Já quanto aos cidadãos que vivem em Portugal e têm dinheiro lá fora, as autoridades fiscais estrangeiras vão obter informação junto das instituições e enviar esses dados para Portugal.
Em todo o caso, se bem que a manipulação não tenha surtido os efeitos desejados, acabou (como em muitos outros casos paralelos) por revelar-se produtiva para os seus promotores. Assim se venderam mais jornais, e assim se pôs fermento de padeiro em audiências televisivas acerca da (in)constitucionalidade do diploma, procurando alimentar a ideia (perversamente cozinhada pelas vozes do dono) de que o Governo teria poderes para passar a pente fino todas as contas, de todos os clientes dos bancos, mesmo sobre quem nunca recaiu qualquer suspeita de delito fiscal.
Em suma, se é certo que a cultura tradicional do jornalismo enfatiza a veracidade e exatidão de factos e dados, não é menos verdade (perante os gritantes exemplos em apreço) que ainda não desenvolveu o mesmo grau de especificidade e detalhe em relação aos procedimentos editoriais, contextualizando correta, profissional e honestamente uma notícia. A quem poderão aproveitar estes entorses éticos e deontológicos? Suspeito que há muito Observador a apanhar Sol a mais na moleirinha.

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa