Soube-se recentemente que o subcomissário que agrediu adeptos do Benfica em Guimarães, a 17 de maio de 2015, no jogo entre o Vitória e o Benfica, terá recebido um louvor do Comandante da distrital de Braga da PSP, superintendente Gomes do Vale, em razão da competência e bons serviços prestados no policiamento de recintos desportivos. O reconhecimento a Filipe Silva, conforme se soube, foi publicado numa ordem de serviço, na qual é realçado que os serviços do agente “prestigiam a polícia”!!! Ou seja, “vai e torna a pecar”.
Para quem ainda se recorda, o oficial não só agrediu (com a ferocidade de um Rambo) um indefeso cidadão, mas (como “atenuante”) fê-lo em frente aos seus dois filhos menores, e respetivo avô, já de avançada idade, que também “provou” da selvática bordoada. Aliás, via-se à distância que o “ameaçador” avô era um perigosíssimo “hooligan”… Estivesse a avó de cadeira de rodas ou o bisavô de canadianas e máscara de oxigénio e haveria “molho” para a parentela toda.
Então, sim, seria ainda mais prestigiante, arriscando-se o competentíssimo subcomissário à atribuição de uma reforma dourada. No tempo da ditadura, a PIDE também recebia louvores por torturar as pessoas.
Há, pois, que manter as boas práticas e a tradição, designadamente a tourada, a matança do porco, a violência doméstica, a promessa eleitoral, o padrinho, a cunha, a “insuspeita” mala diplomática, a corrupção, a impunidade, o higiénico cuspo para virar a página do jornal, a unhaca do dedo mindinho, o palito ao canto da boca, as férias na modesta Comporta de Ricardo Salgado, a “culpa do mexilhão”.
Para variar, no ano passado, sempre no sentido de ainda prestigiar mais a polícia, o subcomissário foi alvo de uma nova queixa, por “alegadas ofensas corporais” no decorrer de uma detenção, conforme avançou o Expresso.
Um ato de contrição, Duas Ave-Marias, um Pecador, e pode considerar-se absolvido.
Consta que já há quem se pergunte se esta espécie de afronta ao Ministério da Administração Interna por parte do Comando de Braga da PSP não se limita a um ato isolado, mas sim a uma posição de força por parte do Alto Comando da PSP…
Recorde-se que nas prestigiantes bastonadas de Guimarães nunca houve reação por parte do principal agredido que justificasse ser brutalizado com um bastão de aço (num país dito dos “brandos costumes”) cuja utilização está reservada apenas a situações urgentes ou de extrema perigosidade com necessidade de imediato controlo. Para sermos mais precisos, a lei dita que os agentes não podem atingir zonas letais do corpo com bastões de aço, em virtude do perigo que isso representa. Refira-se que o Departamento de Investigação e Ação Penal de Braga considerou ainda “indiciado que o arguido, comandando o policiamento ao setor do estádio onde estavam colocados os adeptos do Benfica, desferiu bastonadas num cidadão, mais o atingindo com um joelho nas costas, e, a um outro, desferiu dois socos no rosto, utilizando de forma excessiva, em qualquer dos casos, os meios coercivos de que dispunha no âmbito dos poderes funcionais que lhe foram legalmente conferidos para o exercício da função policial”. Em face destes factos, o contra-argumento invocado pelo subcomissário da agressão salivar alegadamente protagonizada pelo agredido é, no mínimo, caricato ou destinado a fervorosos crentes no Pai Natal.
Obviamente que para a “claque” de Filipe Silva o dito louvor só pode decorrer da coragem e bravura que o agente da “super-autoridade” revelou ao espancar um cidadão prostrado no solo, para além de distribuir “sopa” sobre um idoso. Nada mais simples: bons serviços, prestígio, natural e merecidíssimo louvor!
Quer se queira, quer não, chegamos à revoltante conclusão de que o Comandante que lhe atribuiu o “prémio” se revê, sem quaisquer reservas, no uso arbitrário, desproporcional e excessivo da força.
Será que, em havendo mortos, o subcomissário valentão teria reservada estátua com coroa de louros lá no Comando?
O que fica, porém, para a história desse lamentável dia, foi o registo televisivo brutal e vergonhoso de duas crianças a assistir em pânico à agressão violenta e gratuita do pai e do avô por parte de um “corajosíssimo” oficial de alta patente, enquanto outros agentes (esses, sim, merecedores de um louvor, como todos os que sabem honrar e prestigiar a farda que vestem) protegiam do bárbaro “espetáculo” o mais novito, que urinara nas calças ao viver tamanho trauma.
Num país a sério, o Comandante que atribuiu o louvor já teria um processo disciplinar às costas, do mesmo modo que se teria já pedido contas à tutela da Administração Interna. Certo é que o dito subcomissário ainda não foi julgado, uma vez que requereu a instrução do caso, tendo o processo disciplinar suspenso a aguardar decisão da tutela, que, ao que parece, de explicações ou ações ou diz nada, ou faz coisa nenhuma.
Há quem já adiante que com polícias deste calibre (não confundir a beira da estrada com a Estrada da Beira) ainda pedimos aos criminosos que nos defendam. Longe vá o agouro!
O prestigiante e prestigiado oficial está acusado de ofensa à integridade física, falsificação de documentos, denegação de justiça e prevaricação pelo Ministério Público. Em causa está o facto de, segundo o MP, após o episódio de agressões, “o arguido ter elaborado auto de notícia e relatório de uso de meios coercivos de baixa potencialidade letal, fazendo constar de tais elementos factos que não correspondiam à verdade, assim pretendendo justificar a conduta em que incorrera”, refere a Procuradoria-Geral Distrital do Porto no seu “site”.Tudo acusações de somenos, como se vê.
Ponto da situação: Filipe Silva (o louvado) ainda não foi julgado. O processo disciplinar aberto pela PSP foi suspenso. Aguarda-se uma decisão do Ministério da Administração Interna, mas, neste, como em tantos outros casos a carecer de celeridade, a justiça e os decisores políticos depressa vestem pijaminha, pantufas e adormecem anestesiados com borrachinhas de água quente.
Entretanto, este louvor, publicado no dia em que terminava o concurso para promoção de oficiais, está a causar polémica no seio da corporação. E bem. Então não é que o louvor pode até garantir-lhe a promoção de subcomissário a comissário, “anulando” o peso do mau comportamento pela agressão ocorrida!!!
Os bons profissionais de polícia (não se confunda a árvore com a floresta) têm razões de sobra para se sentirem ultrapassados, indignados e desgostosos com uma humilhante imagem pública com a qual não se identificam de todo.
Contudo, e ainda mais extraordinário, é ter vindo a público a notícia de que (por via dos prestigiantes serviços prestados, presume-se) o oficial em causa voltou a liderar o patrulhamento do Estádio do Vitória de Guimarães, no último jogo contra o Benfica.
Haveria, porventura, melhor escolha? Há quem diga que o criminoso volta sempre ao local do crime.
Diz que talvez se pudesse contratar para patrulhamentos a Padeira de Aljubarrota ou, quiçá, os filhinhos do senhor embaixador do Iraque, mas, mais louvável e prestigiante ainda, até já houve algumas vozes a sugerir os “bons serviços” do “The Fugitive” português Pedro Dias.
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