BPN – A Justiça portuguesa é uma Santa Casa da Misericórdia

O badalado caso BPN, por definição, é um imbróglio de casos interrelacionados com indícios de vários tipos de crime, como corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influências, que levaram à nacionalização do banco.
ILUSTRAÇÃO: Paulo Reis/VISÃO, sobre FOTOS GETTYIMAGES
Só por mera curiosidade, é de destacar que a este banco estavam ligados ex-membros do núcleo duro do  X Governo Constitucional (chefiado por Cavaco Silva), como Dias Loureiro, José Oliveira e Costa, Duarte Lima e Miguel Cadilhe. Entre as organizações envolvidas encontram-se, além do BPN, a Sociedade Lusa de Negócios e o Banco Insular.
A título de exemplo, sabe-se que uma testemunha declarou durante o julgamento que o grupo Sociedade Lusa de Negócios movimentou 9,7 mil milhões de euros, entre 2003 e 2008, através de contas da Solrac Finance, uma offshore do grupo SLN, com conta no balcão virtual do Banco Insular.Só 9,7 mil milhões. Uma perfeita insignificância… para Bill Gates!
Em janeiro de 2011 foi tornado público que o ex-Primeiro-ministro, ex-Presidente da República de Portugal e atual reformado sem dinheiro para as suas mais básicas despesas, Cavaco Silva, adquiriu as suas ações da então SLN a um preço especial (cerca de 40% a 60% abaixo do valor de mercado), o que estava reservado apenas para um conjunto selecionado de acionistas, e do qual Cavaco Silva não fazia parte. Coisa de somenos importância e, como tal, naturalmente sem consequências.  Convém recordarmos que para se ser tão ou mais honesto que Cavaco é preciso nascer duas vezes, citando o próprio Cavaco. E tanto assim é, que é mesmo de todo em todo impossível não lhe encontrar parecenças com a honestidade da Madre Teresa de Calcutá ou o voto de pobreza do Dalai Lama. A sério.
Entretanto, no final de 2012, o total parcial de prejuízos causados a serem pagos pelo Estado Português ascendia a 7 mil milhões de euros. Trocos… para Bill Gates.
Em maio de 2017, “para inglês ver”, foram condenados 12 dos arguidos processo principal do caso BPN. José Oliveira e Costa foi condenado a 14 anos de prisão por abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, infidelidade, aquisição ilícita de ações e de fraude fiscal no âmbito do processo do caso BPN.
“Déjà Vu”. Cá deste lado já estamos a ver o “filme”, ou melhor, a sinistra longa-metragem. Teremos recurso atrás de recurso até o arquivamento final, ou seja, far-se-á naturalmente “render o peixe” até o julgamento ficar para o Tribunal da Comarca de S. Pedro ou, com jeitinho, para o supremo tribunal de Deus, Nosso Senhor. Ai não, que não!!!
Recorde-se que o advogado de OC sustentou que o dito cujo é um homem sério, afirmação tão verosímil quanto afirmar que os ursos polares vivem em África, como é do conhecimento geral. Aliás, são mesmo numerosíssimos os que defendem esta credibilíssima tese, designadamente o mesmo advogado e Oliveira e Costa. Enfim, uma espantosa multidão! E o Pai Natal tem as renas na garagem.
Mais, o dito senhor advogado ainda acrescentou que o seu constituinte não roubou nem um centavo! E não é que nesta última parte até está a falar verdade!!! Bem-dito seja Deus!!!
De facto, o centavo era doutros tempos, logo Oliveira e Costa não lhe podia deitar a mão. Cêntimos também não. Ele é mais euros, às gavelas.
No que toca ao dinheiro e aos valores, esses estarão, pela certa, no nome do gato, do cão, do papagaio, dos ursos polares e doutra bicharada que tal…
A defesa, entretanto, fala em “prisão perpétua” para alguém com 82 anos de idade, doente.
Nós, os que estamos a pagar os milhares de milhões que ele e os seus quadrilheiros desviaram do BPN, é que estamos doentes de revolta por saber que depois do recurso ao Tribunal da Relação tudo dará em nada como é useiro e vezeiro desta instância com a gentalha de “colarinho branco”. Mistérios do divino é o pobrezito compadre Dias Loureiro, conselheiro de Cavaco Silva, não ter sido pronunciado!? Só Deus é que sabe…
Duarte Lima também foi “condenado” e continua airosamente na sua rica vidinha. O Dono Disto Tudo, por sua vez, foi passar umas merecidas férias à Comporta. Armando Vara também foi condenado e anda por aí livre como um passarinho. Que justiça tão esclarecida. Até se me arrepiam os cabelos de incontida emoção.
Lá está, a nossa justiça sabe premiar gente de bem. Saberá também fazê-lo com José Sócrates. Previsível. Aceitam-se apostas.
Em todo o caso, podemos estar muito descansados e agradecidos aos nossos exemplares tribunais. Só passaram uns irrisórios seis anitos e meio após o início do julgamento, apenas oito após a golpada ter sido descoberta e o banco ter ido ao charco, depois de muito calmamente prescritas algumas das acusações… Nos Estados Unidos  é que a justiça é toda “à balda”. Onde é que já  se viu condenar a 150 anos de prisão o também inocentíssimo Bernard Madoff em apenas 6 meses. Ainda têm muito que aprender com o nosso modelar sistema de justiça! Coitados, tão atrasaditos!
Segundo algumas  almas muitíssimo cristãs, pergunta-se qual será o gozo de anunciar 14 anos de prisão para um cidadão de 82 anos, ainda por cima doente?
Ou seja, quem comete crimes, mas está doente, não pode nem deve ser punido por mais graves e reprováveis que tenham sido as suas pulhices. Uma coisa “à Pinochet”, que ficou detido em prisão domiciliària por 503 dias na capital britânica, sendo libertado por razões médicas. A ex-primeira-ministra  britânica, Margareth Thatcher, que usou de seu prestígio para pressionar o governo britânico a libertar Pinochet (que apoiou os britânicos na Guerra das Malvinas), a quem chamou de “um amigo que ajudou a combater o comunismo”.
A razão que me leva a concluir que não se fez justiça no enjoativo caso BPN é muito simples. As penas aplicadas são limitadas no tempo e ainda o serão mais, mercê dos eternos recursos. Quem tem uma sentença efetiva para a vida são todos aqueles que viram a sua vida desgraçada (que nunca recuperarão), restando-lhes como único recurso, em alguns casos mais críticos, conhecer até ao fim das suas vidas a humilhação de ter de estender a mão à caridade. Esses, sim, é que foram, severa e implacavelmente, sentenciados. Esses é que devem merecer a nossa solidariedade e apoio. Essas é que são as verdadeiras vítimas, e não os predadores que agora tudo fazem por se vitimizar.
Fica uma sugestão. Se, ao recorrerem, os tribunais concluíssem não haver argumentos tendentes à redução das penas, as mesmas deveriam ser agravadas mais um ou mais anos, o que, a acontecer, levaria a uma significativa redução da catrefada de recursos, libertando paralelamente a excessiva morosidade de outros processos jurídicos afins ou outros.

Sem comentários:

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa