A verdade desportiva no futebol português

A 19 de junho de 2006, o técnico da seleção suiça, Jakob Kuhn, admitiu que a sua seleção fora ajudada pela arbitragem na vitória de 2 a 0 sobre o Togo, numa partida disputada em Dortmund. Lembrou, inclusivamente, que os africanos tiveram pelo menos um penálti a favor que não foi assinalado pelo árbitro paraguaio Carlos Amarilla. Caso raro!
Entre nós, situações paralelas  ocorreram, embora, infelizmente, sejam casos raríssimos, para não dizer do campo quase paranormal.
A título de exemplo, o antigo treinador do FC Porto, Jesualdo Ferreira, em 2009, admitiu que o avançado brasileiro Hulk “estava fora  de jogo no primeiro golo”, depois da prometida “análise séria” ao jogo com o Sporting de Braga, da 15ª jornada da Liga de futebol.
E, por falar em “análise séria”, Toni, quando treinador do SL Benfica, admitiu ter vencido injustamente um jogo. Disse, igualmente, a verdade. Alguns adeptos, e não foram nada poucos, reclamaram-lhe a cabeça, mostrando-se capazes de  passá-lo a ferro de “Tractor”.
Pinto da Costa, por sua vez,  como anjo sem mácula, dizia que “só os burros falam de arbitragem”. Não se coibindo de o fazer (como não se coibiu) que caracterização se lhe poderá aplicar? Como dizia Scolari, “E o burro sou eu?”.
Jorge Jesus, outro exemplo de “fair-play” e amante da verdade desportiva, dizia ter vencido “limpinho, limpinho”, curiosamente num dos jogos mais sujinhos de que há memória. Agora vem “chorar como uma Madalena”, quase que mais vezes entre a assistência que no banco por via do seu bom comportamento, provando do mesmo veneno. Pois é, às vezes, dos super-poderes à impotência vai um passo de caracol.
O Presidente da Roma, outro paradigma de defesa da verdade desportiva além-fronteiras, após a derrota com o FC Porto, com expulsões que até Jesus Cristo subscreveria, resolveu brindar o árbitro do jogo com a avaliação de, e citamos, “nojento”. Depois do que toda a gente viu, durante e após o jogo, o exemplo que veio desse dito presidente só pode requerer higiene mental, à semelhança do que acontece com muitos outros trambolhos que tais, com iguais ou semelhantes responsabilidades.
A verdade é que, entre nós, depois de se armarem todos em paladinos da “verdade desportiva”, na prática, nas milhentas declarações aos órgãos de comunicação social não há presidente, dirigente, treinador ou jogador que assuma, com verdade, dignidade e desportivismo que foi beneficiado “nem que o Inferno congele”. Já se for ao contrário (“aqui d`el rei”) transformam-se em vítimas do sistema, alvos a abater, ou, em casos pontuais, objeto de alegada incompetência das equipas de arbitragem e de quem as dirige.”Comidos de cebolada”, como Rui Vitória dizia.
Por outro lado, admitir que uma equipa perdedora está tecnicamente mal orientada ou, em alguns casos, constituída por resmas de jogadores de matraquilhos, isso é que por dinheiro nenhum.
Serão efeitos da pós-verdade?
Dito isto, os presumivelmente mais  beneficiados mantêm-se em silêncio para preservar o seu “estado de graça”, enquanto os alegadamente mais prejudicados  fazem o papel de “virgens ofendidas”, mais um grupo de “indignados”  ou  inocentes Calimeros.

Se é esta a verdade desportiva por que os três  grandes dizem pugnar, melhor seria decretar desde já um “black-out”, até que todos aprendam a assumi-la publicamente quer quando prejudicados, quer quando beneficiados.
Utopia? Concedo.
Mas,  lá dizia o poeta António Gedeão, “sempre que um homem sonha/o mundo pula e avança/ como bola colorida/ entre as mãos de uma criança”.

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“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa