A propósito da tragédia dos recentes incêndios, o deputado do CDS/PP, Hélder Amaral, saiu-se com a seguinte “pérola”: “Não basta um Presidente da República dar beijinhos no dói-dói e dizer que não há nada a fazer”. Melhor, melhor, talvez só a frase (de verdadeiro mestre) do campeão mundial e olímpico de equivalências Miguel Relvas quando, durante uma visita à prisão de Coimbra, na qualidade de presidente da Comissão Parlamentar da Juventude, disse muito “intelectualmente” aos detidos daquele estabelecimento prisional: “Quero agradecer esta oportunidade. É sempre importante conhecer os presos no seu habitat natural”.
Esqueceu-se, porém, o deputado Hélder Amaral (célebre pelo episódio caricato que protagonizou em Angola), antes de atirar pedras ao PR, que a líder do seu partido, Assunção Cristas, quando era ministra da lavoura, fez aprovar uma lei que desbloqueava a possibilidade de expansão do eucaliptal em Portugal, autorizando a progressão da cultura do eucalipto em zonas de regadio público. Quem tem telhados de vidro… Vamos rezar para que não sejam sintomas de Alzheimer.
Só para se ter uma ideia do “ajuizado” da medida de Cristas, vale a pena recordar que os eucaliptos, além de consumirem cerca de oito litros de água por dia, só serviram para favorecer as fábricas de celulose e os seus proprietários. Ou seja, milionários interesses privados.
Mas Assunção não se ficou por este “admirável” legado. Assunção era mulher para ir mais longe. Decidiu “muito inteligentemente” alterar algumas das regras, designadamente o desaparecimento dos serviços florestais, incluíndo a extinção da secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Com efeito, em outubro de 2014, o secretário de Estado em funções demitiu-se e, surpreendentemente, não foi nomeado substituto, ficando a floresta diluída pelos diversos departamentos do Ministério da Agricultura, o que constituiu, “apenas”, um retrocesso de uma década no desenvolvimento florestal. Segundo António Louro, engenheiro de produção animal e que lidera a mais representativa estrutura federativa da floresta portuguesa, com cerca de 50 associações e “muitos milhares” de produtores florestais, “foi com muita desconfiança que os agentes do setor acomodaram esta mudança”. A floresta, recordou, tem um “papel importante e decisivo na alavancagem económica do país” e, por isso, “não pode nem deve ser tratada como apenas mais um item de trabalho de um qualquer departamento do ministério”.
Ainda de acordo com o seu avisado testemunho, após os grandes incêndios de 2003 e 2005, e bem, “o poder político percebeu que a floresta precisava de ser vista e tratada como um setor de atividade integrado e não poderia continuar a ser ‘mexido’ um pouco por todos sem que um rumo fosse definido para ela”. Foi por isso, sublinhou, que surgiu a secretaria de Estado das Florestas”, precisamente aquela para a qual Assunção Cristas “se estava nas tintas”.
Em todo o caso, o país fala de prevenção há várias décadas. Demora décadas a dar frutos, diz-se. É verdade. Porém, em Portugal, a avaliar pelas evidências, levará milénios. A razão, pura e dura, é muitíssimo simples. Como se sabe, hoje tudo é medido com fórmulas matemáticas que avaliam o custo/benefício de prevenir, sendo o resultado “É muito caro, logo não vale a pena”.
Depois dos incêndios, como de costume, aparecem mestres, especialistas, peritos, doutorados e catedráticos vindos de todos os lados, incluíndo outros planetas e galáxias. Resultado: as mesmas conclusões inconsequentes.
E que têm feito os sucessivos governos para curar este “cancro”?
As medidas políticas adotadas, invariavelmente, cortaram drasticamente verbas para o efeito, reduziram o pessoal especializado (técnico e operário) e encerraram serviços desconcentrados de proximidade no âmbito da floresta.
Embora concedamos que a esmagadora maioria da floresta em Portugal é privada e extremamente dividida, não podemos igualmente ignorar que, a exemplo de outros países, o Estado não exerce o poder de intervir na gestão desse território, no sentido de impedir a sua degradação até aos níveis que parte significativa do mesmo hoje em dia apresenta e que é potenciador de fogos florestais.
Para “mais ajuda”, convém referir que no quadro de uma incorreta política de maior investimento financeiro no combate, e menor na prevenção, em 2006 o Governo decidiu muito “racionalmente” extinguir o Corpo Nacional da Guarda Florestal e remeter os seus elementos para o SEPNA/GNR, daí decorrendo que os mesmos não podem exercer cabalmente as suas funções de policiamento, fiscalização e vigilância florestal. No poupar é que está o ganho? Neste caso é, claramente, o contrário. Não investir na prevenção é apostar na maior tendência e dimensão da desgraça.
Além disso, os soldados da paz (sempre muito elogiados pelos políticos e, não raras vezes, criticados pelas populações em aflição, muitas vezes injustamente) são em número reconhecidamente insuficiente, insuficientes os seus meios, e, ainda mais insuficientes, os seus demasiado modestos vencimentos. Não é com elogios que se põe um prato digno na mesa. Não é com louvores ou medalhinhas que se reconhece o heroísmo ou, no limite, a perda da própria vida em socorro do próximo. Nada disso “enche barriga” nem lhes faz justiça.
Ordenamento e planeamento florestal? Sim, acompanhado à viola.
Política real de prevenção? Pauta musical. Cumprir e fazer cumprir a lei? Era mais o que faltava. Há outras “questões essenciais”, outras prioridades.
Punir, exemplarmente, os incendiários, muitos madeireiros interessados criminosamente em engordar lucros ou os responsáveis pela incúria e inércia de não cumprir ou de não fazer cumprir a lei no banco dos réus e responsabilizá-los por todas as mortes ocorridas em Portugal e pela perda material de tantos bens? Sim, sim, fica bem no plano das intenções, dos discursos de ocasião, do recheio das audiências, dos faróis mediáticos, mas tão-só.
De resto, a situação é tão repetida e previsível que é já quase tão natural falar da abertura da época balnear como da época de incêndios. Como dizia Padre António Vieira, “Não é tudo isto verdade? Ainda mal!”
Agora, como no passado, voltamos a culpar S. Pedro e a Mãe-Natureza, mas, ao fim de contas, em que ficamos?
Quem são os verdadeiros culpados? Os homens ou a natureza?
Caso todos fizessem o “trabalho de casa”, e se aplicassem exemplarmente as leis, certamente tragédias tão horríveis como estas seriam muito menos frequentes.
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