A proposta de composição do XX Governo Constitucional-Relâmpago apresentada pelo ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, tinha na sua composição um vice-primeiro-ministro e quinze ministros, dos quais oito eram novos. Um dado muito curioso é que apenas duas nomeações fugiam às fileiras partidárias. Terá sido esquecimento? Erro informático? Extravio de papelada de recomendação dos padrinhos? Vá-se lá saber…
Concretamente, apenas Rui Medeiros, constitucionalista, proposto para ministro da Modernização Administrativa, Ministério que os analistas nacionais afirmam ter sido criado para agradar ao PS, e Margarida Mano, ex-vice-reitora da Universidade de Coimbra, para ministra da Educação, fugiam às linhas partidárias.
Ouço dizer que “os números não mentem”, logo os acima referidos não poderiam ser mais claros, pelo menos para quem for minimamente alfabetizado. Até nem é preciso um “canudo” em economês nas universidades de equivalências conhecidas.
Não obstante, temos de conceder que há sempre outras leituras dos números, porventura só ao alcance de mentes esotéricas ou doutoradas em sofismas. Contra factos, diz-se, não há argumentos, mas, como sabemos, Portugal é um país de inventores, pelo que não falta gente criativa capaz de jurar a pés juntos que o Sol gira à volta da Terra ou, no limite da veia artística das máquinas partidárias, que Salazar era um dos três pastorinhos das aparições. Ora, para PSD e CDS, agora a dormir em camas separadas, (mas unha e carne quando se trata de maquilhar números, desmentir o indesmentível ou justificar o injustificável) os factos aqui registados, em típico politiquês ou fluente pinoquiês, só podem ser inverdades ou desvios da chamada “questão essencial”, (sim, essa mesmo) aquela que toda a gente sabe que não sabe.
Recentemente, a demissão anunciada de António Lamas (que foi uma escolha de Passos Coelho), e a sua substituição por um ex-governante do PS, desencadearam as críticas do PSD. A título de exemplo, Sérgio Pimpão, coordenador do PSD na comissão de cultura, não demorou a acusar João Soares de “arrogância e prepotência”. Já Sérgio Azevedo, responsável na direção do grupo parlamentar pela área da cultura, optou por um registo irónico no Facebook. “Amigos para siempre”, escreveu em comentário à notícia sobre a proximidade de Summavielle com o ministro.
Carlos Abreu Amorim, deputado social-democrata foi ainda mais longe, na mesma rede social, nas alusões a um favorecimento político, admitindo mesmo cumplicidades maçónicas. Imagino-o, de dedo em riste, com o ar mais santificado e indignado, deste mundo e do outro, a trovejar: “O PS está a encharcar o Estado com os seus apaniguados e “Irmãos”, pacata e alegremente, sem qualquer pudor ou receio de condenação pública. No fundo, pensam, o Estado são “eles” e só foi feito para “eles” dele usufruírem como lhes apetecer”. Que Deus nos livre de presumir, em circunstância alguma, que Carlos Abreu Amorim seria capaz de “encharcar o Estado com os seus apaniguados e irmãos” ou um primo ou sobrinho que fosse! Dito por Carlos Abreu Amorim ou pelos seus “apaniguados”/“irmãos” não é apenas uma espécie de argumento de autoridade, é uma verdadeira profissão de fé. Admiráveis estas “pérolas” litúrgicas, sobretudo quando proferidas por apoiantes do governo que se preparava para reinar, contando apenas (sublinhe-se “apenas”) com duas nomeações não pertencentes às suas fileiras partidárias. É muito Portugal à frente da moral e da ética! Desconfio que, por estas e por outras, até o “Emplastro” ficaria melhor na fotografia.
Porém, o PS, talvez para não destoar da “moda”, também fez questão de provar que segue bem de perto a doutrina do mesmo “Evangelho”, posto que o antigo presidente da Câmara e atual ministro da Cultura, João Soares, não deixou de achar absolutamente natural que Mário Barroso Soares, seu filho, 30 anos, licenciado em História, e com uma breve experiência profissional na área para que foi contratado (foi assistente de produção, durante menos de um ano, numa produtora de vídeo) ocupasse o apetecível cargo de assessor cultural na CML. É mais um daqueles especialistas, pagos a peso de ouro, com meses de experiência a “virar frangos”. E, ainda mais espantoso, é que o pai afiança não ter tido qualquer interferência na contratação, o que nos deixa todos absolutamente convencidos e aliviados. Ufa! Como se vê, é tudo feito na maior das transparências e sustentado numa palavra (parece que da realidade virtual) chamada meritocracia.
A este propósito permitimo-nos, por julgarmos apropriado e oportuno, tomar de empréstimo as palavras de Padre António Vieira, na sua inesgotável sabedoria: “Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem.”
Em suma, a gritaria de uns sobre partidarização e “jobs for the boys” é, no mínimo, anedótica, tendo em conta exemplos e práticas comuns. Porém, embora já não surpreenda ninguém, a réplica do modelo por quem antes o censurava não é, de todo, menos censurável. O nepotismo, entendamo-nos, venha ele de onde vier, foi, é e sempre será condenável. Recomenda-se, pois, roupinha nova para o roto e vestuário renovado para o esfarrapado. Só assim terão legitimidade para atirarem pedras aos telhados de vidro do vizinho sem que as mesmas, devolvidas, lhes façam igualmente em cacos os seus.
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