Os livros de autoajuda são assim designados porque ajudam quem os vende

Os livros de autoajuda vendem mais que lenços de papel em período de narizes a pingar. Por exemplo, a  australiana Rhonda Byrne já vendeu mais de um milhão de livros e, segundo se diz, tornou-se famosa por acaso. Em 2004, a sua vida era um caos. A morte do pai, vítima de leucemia, foi apenas o início de um ano complicado. Além da depressão, os problemas financeiros da produtora de televisão de Rhonda deixaram-na à beira da falência. A australiana estava até a perder autoridade sobre a sua equipa e os conflitos eram tantos que nem se falavam.
No dia em que ficou a saber que estava quase falida, a mãe telefonou-lhe a dizer que se queria suicidar. Rhonda não sabia o que fazer, mas a sua filha mais velha, Hailey, na altura com 24 anos, mudou-lhe a vida. “Quando terminei de desabafar todos os meus problemas, a minha filha apenas respondeu:”Vai correr tudo bem.” Mais uma daquelas frases que só servem de consolo, pensei eu. Então, ela saiu, voltou com um molho de fotocópias e disse-me: “lê isto”, contou Rhonda aos jornalistas.
As fotocópias eram o livro The Science of Getting Rich, de Wallace Wattles. Na obra de 1910 estava a base do livro O Segredo: a lei da atração. Wallace Wattles defendia que os pensamentos das pessoas funcionavam como ímanes, ou seja, que os bons pensamentos atraíam prosperidade e os negativos situações desagradáveis. Em menos de duas horas Rhonda leu o livro. Mais tarde pesquisou sobre o assunto e decidiu que tinha de partilhar o segredo. Partilhou tanto que acabou milionária, quase do dia para a noite.
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Mas muitos outros títulos há, chamados, e bem, de autoajuda, uma vez que autoajudam financeiramente quem os escreve e publica. Esclarecidos? Se o verdadeiro propósito fosse o de ajudar o próximo, seria muito mais lógico que fossem designados como livros de heteroajuda, ou não? No entanto, o que mais salta à vista é que se fica com a sensação de que ler um é ler todos, tal a semelhança de ingredientes e modos de cozedura. Viver a Vida a Amar, por exemplo, partilha connosco a ideia extraordinariamente “original”, iluminada, diria mesmo “genial”, de que: “a vida só pode ser vivida a amar e ser amado. Só assim é que faz sentido.”, como se pode ler no resumo do livro. Obviamente, para mim, esta foi uma “descoberta”, uma “revelação “ quase divina, uma epifania, como hoje se diz. Depois deparei-me com A Grande Magia, obra na qual, segundo o resumo, “Com uma capacidade de empatia notável e uma generosidade ímpar, a autora apresenta-nos a sua visão da misteriosa natureza da inspiração”. A princípio cheguei a pensar que fosse um manual dos incríveis truques de Houdini, mas garantiram-me que não. Jurei Mudar é outro livro de autoajuda, daqueles que fazem lembrar a passagem de ano e as eternas promessas, só promessas, na maioria dos casos, enquanto se trincam umas passas.  Já da obra, originalíssima,  Mindfulness – O Livro de Colorir é que não estava nada à  espera! Como dita o resumo, “Tudo o que precisa para relaxar está aqui: lápis e desenhos para colorir. Ansioso? Stressado? Não vale a pena. Faça uma pequena pausa.” Penso que deve dar muito jeito, sobretudo nas caixas de supermercado, na atracagem de navios ou a meio de intervenções cirúrgicas. Um verdadeiro “must” para crianças dos 8 aos 88. Dizem que é do melhor para o aumento dos índices de produtividade dos países do Sul, acrescido de um notável incremento da qualidade dos serviços prestados. Muito útil para alguns deputados virtuais no Parlamento e em Comissões de Inquérito, calculo. Pegadas na Areia é outro título sugestivo, estranhamente, imagine-se, Inspirado por uma caminhada na praia há 50 anos. Juro que fui apanhado, assim, de surpresa. Quase não chegava lá, tal o carácter codificado e enigmático do título. Diz o resumo que “Algumas histórias deixá-lo-ão de lágrimas nos olhos, já outras colocar-lhe-ão um sorriso no rosto.”, o que parece especialmente indicado a personalidades bipolares.  O Cavaleiro da Armadura Enferrujada  penso que deverá ser um manual destinado a oficinas automóveis de pintura ou a técnicos de restauro de sucata.  Já O Monge que Vendeu o seu Ferrari, confesso que me apanhou desprevenido e algo confuso, mas logo comprendi que a rede viária do Tibete e o relevo acidentado talvez não seja o mais apropriado para Ferraris ou Lamborghinis, razão que justifica naturalmente a venda do carrito. O Monge que vendeu o jipe ou o boi de carga parecer-me-ia, ainda assim, mais credível. Eu Amo-te e às Vezes a Outras Pessoas,desculpem-me a sinceridade, mas foi uma obra que nem folheei por questões de natureza moral. A sério, parece-me um convite à infidelidade,a poucas-vergonhas e maus exemplos, com toda a certeza. Arrisca-te a Viver – 114 Perguntas e 11 Exercícios que vão Mudar a tua Vida é outra recomendação, porventura para ler em velórios e serviços fúnebres. Mulheres Inteligentes, Relações Saudáveis fez-me pensar que as mulheres, ditas menos inteligentes, estão condenadas a relações doentias. Imagine-se, então, o resultado de uma união entre homens menos inteligentes e mulheres menos inteligentes… Que Deus nos livre!
Em suma, leia-se ou não uma biblioteca de ajuda, uma coisa é certa: apenas existe uma ajuda eficaz: a nossa. Podemos ler todos e mais um par de botas, mas se não tomarmos a decisão de enfrentar e resolver a situação, tanto emocional quanto materialmente, o resultado será um fracasso.
Ou seja, na verdade, somos nós os arquitetos do nosso destino. Logo, autoajude-se. Escreva um livro de autoajuda do tipo “A resposta está em ti”. Desconfio que não faltarão compradores, dispostos a pagar fortunas, para descobrir qual a cor do cavalo branco de Napoleão.

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“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

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