Em alguns hipermercados tem vindo a ser gradualmente implantado o sistema das caixas self-service através do qual o cliente, agora também trabalhador ou (como “modernamente” se diz) colaborador, faz as operações sozinho, tal como acontece já na maioria dos postos de abastecimento de combustível.
Dito de outra maneira, uma forma habilidosa e manhosa de reduzir custos, com o falso argumento da inovação, do bem-estar do cliente e do seu benefício, quando o que efetivamente está em causa é inovar em benefício dos acionistas das empresas que promovem o novo sistema.
E não se trata sequer de trabalho mal remunerado. Upa, upa! Trata-se, isso sim, da promoção matreira de trabalho gratuito, em substituição de funcionários já pagos a pataco.
Curiosamente, os indefectíveis apreciadores do sistema fazem-no com visível satisfação. Fica sempre mal parecer ingrato e há sempre quem aprecie “ser comido de cebolada”. Sim, porque é sempre uma enorme satisfação trabalhar “pro bono” para as pobrezitas cadeias de hipermercados, tão generosamente interessadas no bem-estar dos seus clientes-trabalhadores.
Da minha parte, nem calculo o tântrico prazer que deve ser organizar os produtos, empacotá-los, passar códigos de barras e, finalmente, pagar com orgulho e altivez, como quem diz “Que maravilhoso escravo me sinto!”
Melhor ainda, graças a esta fantabulástica inovação, para além de o cliente trabalhar para os supermercados, como bónus, ainda lhe é oferecida a oportunidade de ser técnico-aprendiz de informática, dos 8 aos 88. No fundo, trata-se de mais uma formação profissional contínua… e “de borla”. Alguém falou em “nova forma de exploração”? Uma nova habilidade tecnológica de auto-trabalho? Não, que ideia!
Certo é que esta empolgante tecnologia veio para revolucionar por completo a noção de consumidor. E veio para ficar. A grande diferença relativamente aos meios tradicionais é que o cliente passa a operador de caixa, embora sem vencimento. Confesso que, em face destas arrebatadoras vantagens, uma pessoa só pode mesmo sentir-se esmagada e eternamente agradecida.
Mais, segundo os empresários dessa área, elas são numerosíssimas, sobretudo para os consumidores, designadamente a possibilidade de evitar filas de espera, bem como maior envolvimento no processo de compra (emocional, imagino), como descaradamente ainda se alega. Explicações “de raposa”, digamos.
Note-se que as lojas que já têm o sistema indicam que os infinitos benefícios para o consumidor não ficam por aqui. Segundo os defensores e verdadeiros beneficiários do sistema, o cliente torna-se mais autónomo e passa a ter o controlo absoluto sobre a transação. Arrasador!
Além disso, acresce a conveniência e privacidade desta nova forma de comprar. A fácil utilização e o aumento do nível de satisfação do consumidor é outro argumento. Uma das cadeias de supermercados garante mesmo que os clientes gostam de ter mais escolha na hora de pagar as compras e apreciam o controlo adicional que têm. Reconhecem as vantagens do sistema e utilizam-no recorrentemente sempre que têm de fazer compras com reduzido número de artigos.
Claro que os patrões destes novos empregados contam com muito poucochinhas vantagens, a começar pela redução de custos, apesar do investimento inicial, e melhor aproveitamento do espaço de venda. Só para se ter uma ideia, esta nova tecnologia permite que um operador (cliente-trabalhador) desempenhe as tarefas de quatro colaboradores, “de borla”. Além disso, os custos de recrutamento e formação dos novos colaboradores são reduzidos. Já o aumento dos despedimentos e do desemprego é questão de somenos. Quem se importa com esses pormenores?
Despedimentos são “danos colaterais”. Desemprego é “fogo amigo”.
Conforme diz sabiamente o Dalai Lama, “O perigo constante é abrir a porta à ganância, um dos nossos inimigos mais incansáveis. É aí que se deve pôr em prática o verdadeiro trabalho da mente.”
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