Ó… Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!


Um recente relatório europeu diz que Portugal está em terreno negativo na capacidade de resposta dos tribunais. É mesmo o sexto pior entre 47 países europeus.
No que diz respeito à eficiência e capacidade de resposta dos tribunais nos processos civis e comerciais – a maioria dos litígios que envolvem cidadãos e empresas – a Justiça portuguesa é das piores da Europa, ocupando a sexta posição a contar do fim entre os 28 Estados-membros da UE.
O tempo de demora de um processo em tribunal é também um dos mais elevados da UE. Também aqui o país ocupa a 4ª pior posição (quase nas medalhas olímpicas de pechisbeque), ultrapassado apenas por Estónia, Eslovénia e Dinamarca.
À luz desta evidência, foi com alegria incontida (talvez só comparável à de ser mãe/pai ou vencedor do Euro 2016) que soubemos que o Tribunal autorizou,desta vez, sem demora, Ricardo Salgado, o Dono Disto Tudo, que, pelos vistos, continua a ser o Dono Disto Tudo, a ir de férias para a Comporta. E ainda há quem diga que a nossa justiça é morosa!!! Veja-se como neste caso “comovente” houve eficiência, capacidade de resposta, celeridade!!!
A nossa justiça, implacável, e neste caso muito bem oleada, entendeu que o ex-banqueiro do BES pode gozar férias fora de casa, mas não pode ausentar-se do país, nem mesmo para a acolhedora e fresquinha Sibéria.
Aplaudimos de pé a primeira parte. Lamentamos, porém, não poder bater palmas à segunda decisão. Desta vez, a justiça foi longe de mais, mas, pronto, é assim, tem mão demasiado pesada com gente demasiado pesada…
O antigo e exemplar presidente do Banco Espírito Santo deixou de estar sob prisão domiciliária há alguns meses, recorde-se.
O misericordioso juiz Carlos Alexandre, do alto dos seus super-poderes, determinou agora que, nos próximos 30 dias, Salgado terá de se apresentar não em Cascais, mas sim na GNR da Comporta, onde irá passar as suas merecidas férias, deixando os portugueses com “uma lágrima no canto do olho”, tanta foi a emoção e concordância em face de tão magnânimo gesto.
Como se sabe, a Comporta é um “pobrezinho” destino de férias para idosos com reformas e pensões de miséria, desempregados, gente roubada por bancos, banqueiros, gestores ou administradores canalhas, privilegiados com o ordenado mínimo, mas, vá lá, sempre foi melhor que um vazadouro municipal.Resultado de imagem para ricardo salgado
É, em todo o caso, compreensível. Depois de onze meses de férias, não era de esperar que um trabalhador tão ocupado gozasse menos do que um mês de férias. Caramba,um homem não é de ferro!
Note-se, a título de curiosidade, que a decisão foi tomada depois de um pedido dos advogados de defesa do antigo banqueiro (uma coisa de fazer chorar as pedras, imagina-se).
Violinos à parte, não há como não compreender o gesto de quase divina misericórdia, a fazer lembrar, dizia alguém, amnistias ou bulas papais. É, na velha tradição, a justiça portuguesa igual a si própria: fraca com os fortes, forte com os fracos.
O que interessa é que Salgado “vai a banhos” e é um homem livre durante 30 dias. Claro que os chamados espoliados (roubados e aldrabados, sem eufemismos) do BES pagam-lhe as modestas férias (agradecidamente e de bom grado) com o dinheiro que não têm para comer ou para fazer férias debaixo de um vão de escada. Já dizia o poeta, Ó… Salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!
Isto depois de a “remediadinha” Galp recusar-se a pagar os seus milionários impostos, impunemente, o que também não é menos divino em matéria de justiça fiscal. Será uma espécie de “imunidade diplomática”?
Acrescente-se, para regozijo da moralidade e dos bons costumes, a inacreditável sentença recentemente aplicada ao militar da GNR, Hugo Ernano, que só nos pode levar a desacreditar ainda mais fervorosamente na justiça dos nossos tribunais, desfazendo quaisquer dúvidas sobre a idoneidade de grande parte dos nossos juízes. Deixar um profissional (que nada mais fez que o seu dever) na miséria, obrigando-o a indemnizar milionariamente, para mais humilhação e revolta, os ladrões que tudo causaram é, de facto, de gente de juízo!
E que dizer, ainda, do Tribunal Constitucional e do seu enternecedor argumento em favor da reposição das pensões vitalícias, alegando que medidas excecionais não se devem prolongar durante muito tempo e que os deputados e políticos merecem receber a subvenção porque criaram expectativas e estavam a contar com ela. Os funcionários públicos, pensionistas e reformados também não criaram expectativas, sendo obrigados a deixar de contar com elas? Hugo Ernano também não teria expectativas de que a lei em que acreditava lhe fizesse justiça, em lugar de o punir draconianamente, atirando-o para a miséria e exclusão, como se de um ignóbil criminoso se tratasse?
Voltando ao caso salgado, é bom lembrar que foi já no início de 2016 que o juiz Carlos Alexandre transformou a prisão domiciliária do ex-banqueiro em apresentações periódicas. É, sem dúvida, comovente saber que os desempregados têm o mesmo tratamento que os suspeitos de crime com medida de coação como a de Salgado: apresentações periódicas, só que nos Centros de Emprego, e ainda há quem diga que não há igualdade… O que é certo é que Salgado precisava de descansar, não lhe fosse cair um braço! Afinal de contas, (a palavra “contas” não é de todo mera coincidência) ser dono disto tudo, e manter a titularidade, dá muito trabalho, suores e canseiras, há que reconhecê-lo.
Perante este cenário décimo-mundista, quem se atreverá a dizer que o aparelho da justiça está ao serviço dos poderosos? Populismo? Inverdades ou, em bom politiquês, essa não é a questão essencial?
Só se estranha Salgado não ter sido dispensado para ir de férias ao Panamá tratar de assuntos particulares… Mas há que ter fé e saber esperar.
Quem pode, pode!

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“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa