Interrogado, pouco antes da sua saída (felizmente definitiva, já lá vão gloriosos três meses) se fez tudo como quis e tudo bem ao longo dos seus dois mandatos em Belém, Cavaco Silva, em modestíssima “autoavaliação” disse a rir: “tudo, tudo, tudo”. Claro que não poderia ser de outra maneira, a não ser a rir. Então não se diz que é uma virtude uma pessoa rir-se de si mesma? Chega mesmo a ser hilariante se pensarmos que Cavaco fez “tudo, tudo, tudo” tão bem, tão bem que acabou por sair pela porta do Portugal dos pequeninos, com a pior popularidade presidencial desde que vivemos em democracia. Até Salazar conseguiu ser mais popular numa sondagem realizada pela RTP aqui há uns anos!
Minha Nossa Senhora, mesmo na hora da partida de Cavaco (e já foi tarde) não havia um espelhinho à mão.
“Tudo, tudo, tudo” uma perfeição, a saber: a venda das ações da SLN/BPN, a compra do Pavilhão Atlântico, a urbanização duvidosa da Quinta da Coelha, as resmas de condecorações a gente de carácter para lá de duvidoso. Claro, e sem esquecer os amigalhaços do costume, como o “beato” Oliveira e Costa, o “angelical” Rendeiro ou o “sacrossanto” Dias Loureiro. Fica ainda a sua admirabilíssima gestão governativa, designadamente na forma como lidou com os fundos comunitários, a entrada na (então) CEE, com o clientelismo, com as pescas e o mar, a agricultura ou o “monstro da Administração Central”.
Tudo, tudo, tudo de acordo com o «nunca me engano e raramente tenho dúvidas», ou “Para serem mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes”.
Fora isso, só me vêm à memória os “míseros” 10 000 euros que não lhe chegavam para as despesas, a garantia da solidez inabalável do BES, o deslumbramento com o sorriso feliz das vaquinhas dos Açores, a sua gastronómica preferência pelo bolo-rei, entre outras pérolas dignas de antologia.
“Fiz tudo, tudo bem e mereço descanso”,disse. E os portugueses, naturalmente a morrer de saudades, ainda mais descanso merecem… dele.
Consta que irá recolher-se, talvez “em oração” e “retiro”, numa ala já restaurada do Convento do Sacramento, (o mesmo para onde se retirou Madalena de Vilhena, a personagem trágica em que se inspirou Almeida Garrett para a sua peça Frei Luís de Sousa), onde foi instalado o seu muito austero e pobrezinho gabinete de ex-Presidente.
É nesse retiro espiritual que deverá terminar as suas dormentes Memórias, além do ansiolítico volume dos seus roteiros, perfeitos substitutos da clássica contagem de ovelhinhas para insónias e afins.
Contrariamente a Santana Lopes, Cavaco prometeu “Não andarei por aí.”, o que, à partida, poderia deixar-nos muito mais tranquilos, gratos e felizes.
Contudo, antes que comece o foguetório, fica aqui uma nota de prevenção rodoviária. Consta que Cavaco está a reaprender a conduzir, depois de 10 anos a ser conduzido, e houve mesmo quem dissesse que para evitar mais “desastres” talvez não fosse má ideia ser agora Maria Cavaco Silva a pegar no volante, caso contrário pode não ser de afastar a assustadora perspetiva de uma drástica quebra do turismo no Algarve, já que muitos condutores, pelo sim, pelo não, ameaçam evitar as estradas algarvias.
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