O mal deu em batatinhas

Em tese, ninguém pode pôr em causa as competências ou a nobre missão das comissões de Inquérito do Parlamento.
Na prática, apesar do trabalho meritório que há que justamente reconhecer a muitas dessas comissões, permanentes ou eventuais, até à data é lamentável concluir que, tudo bem somadinho, quem tem mais razões de regozijo e gratidão para com as mesmas são exatamente os que a elas têm sido “convidados” a dar explicações ao longo dos anos.
Em bom rigor, ainda não saímos de uma e já estamos a assistir a outra, exatamente com iguais motivos, o mesmo triste “argumento”, e, para não perturbar a “estabilidade política”, e outras, os mesmíssimos resultados.
Invariavelmente, em razão de o “mal dar em batatinhas”, os portugueses já se habituaram a  concluir que  a responsabilidade vai sempre parar ao início da nacionalidade.Resultado de imagem para impunidade
Não sei se alguém estaria à espera que algum dos inquiridos assumisse responsabilidades, mas absolutamente “naif” seria esperar  desculpas… por alegados “lapsos”, faltas de memória ou confusão mental…
Como dizia um dos mais distintos inquiridos, “As desculpas não se pedem, evitam-se”.
Improvável, muito ingénuo mesmo, seria esperar que o adágio fosse convertido em “As desculpas pedem-se, não se evitam”, mas isso, grita a evidência, seria o mesmo que acreditar que o Pai Natal não tarda em descer pela chaminé ou que o Inferno já desceu a graus negativos.
Só encontro equivalente inocência em esperar que Medina Carreira se esquecesse  dos seus gráficos do “Apocalipse” ou arriscasse ter como convidado alguém que com ele esboçasse, sequer timidamente, o contraditório. Fica para quando Noé voltar a separar as águas. Mas, vamos ter fé!
Para além da virose de amnésia, “agora assim de repente”…  “não me lembro”… “não sei” ou, simplesmente “não… não… e não”,  sacudindo a lama dos sapatos para anteriores inquiridos ou seguintes, aquilo a que temos assistido nas Comissões de Inquérito tem sido aritmeticamente igual à certeza de que a punição é tal qual a conhecida salvaguarda das obras cinematográficas de ficção “qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”.
Em caso de dúvida, nas respostas evasivas, tergiversações e desmentidos a dar ou silêncios convenientes a manter, há sempre o conselho avisado do batalhão de advogados de elite ou o emaranhado de “inglês técnico” para “esclarecer” as chamadas pessoas “lá de casa”.
Ora, se o objetivo é clarificar, nada mais clarificador e consequente!
Alguns dos inquiridos, dir-se-ia que são já quase residentes, a avaliar pela repetição das visitas às comissões. Para poupar em despesa, talvez não fosse má ideia mudar o mobiliário e desenrascar, sei lá, beliches, pantufas e pijaminhas.
Custa-me ver espatifar fortunas em água engarrafada, e na fatura da luz, para além das resmas de fotocópias “à discrição” que o erário geme.
No limite, quase apetece pedir que nos poupem a  “peças de teatro” já demasiado vistas ou a falas  de “cinema-mudo”, com os “maus-da-fita” a partirem, de arma ainda a fumegar, nos cavalos do Rolls-Royce, antes do correr das cortinas, comos “heróis” rumo ao pôr-do-sol.
Formal, e inofensivamente, reza o “protocolo”, tudo termina com um relatório descritivo dos trabalhos realizados, contendo as respetivas conclusões.
E depois? Quais as consequências práticas de tais relatórios? Quais as consequências de tais pareceres?
Para “variar”, nada mais simples. As audições revelam frequentemente preocupantes aspetos das relações entre os vários poderes, designadamente promiscuidades, manipulação de informação e distorção da realidade, correspondendo a práticas que têm vindo a acentuar-se e a contribuir de forma significativa para a degradação do regime democrático. Pelo número significativo de audições realizadas, mas também pela sua amplitude e abrangência, as denúncias apresentadas e as revelações são finalmente tidas como um património de informação inédito de inegável valor e que confere uma nova visão, mais real e objetiva, independentemente de contradições, sempre expectáveis dada a natureza antagónica dos diferentes interesses em presença, e a confrontação com os depoimentos e relatos realizados com o conjunto de objetivos iniciais que as Comissões se propõem avaliar. Em suma, o que se prova é que nada do que se prove fará prova de nada.
Só para que conste, convém saber-se que quando há maioria absoluta, ou coligação, o relatório das comissões de inquérito é do(s) partido(s) que a suportam, bem como a pessoa responsável por fazer a proposta de relatório final. Aconteceu com a maioria absoluta de José Sócrates e voltou a acontecer com Passos Coelho. Isenção garantida!!!
Há quem diga que de admirar seria se fosse o contrário, talvez por força de, alegadamente, controlar danos e branquear vigarices. Que ideia! Em todo o caso, é preferível ficarmos no plano das suposições porque, afinal,  o resultado é inconsequente e “o que interessa é participar”, “perder ou… perder é desporto”.

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“Nem rei nem lei (…) Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer”, já dizia Pessoa

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