Afinal, não foi só o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade a viajar até ao Euro 2016 com viagens pagas pela Galp. Segundo revelou o “Público” ontem, o secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos também se deslocou a convite da petrolífera. Porém, este governante “pagou um bilhete de avião”, disse o gabinete de imprensa do Ministério da Economia.
Certo é que, sendo ou não sendo a solução o pagamento ou o reembolso, a nódoa ética ficou.
Porém, embora menos vergonhoso, não deixam de ser também criticáveis as faltinhas supostamente não patrocinadas de alguns políticos e as suas anedóticas justificações, invocadas aquando das suas idas aos jogos do Euro 2016.
Luís Montenegro, por exemplo, justificou a falta ao plenário no dia da meia-final do euro 2016 com o já “clássico” argumento esfarrapado do “trabalho político”. Já Hugo Soares, também inspiradamente, justificou a falta com o muito “criativo” “motivo de força maior”. Por último, dois sociais-democratas recusaram justificar a falta. Nada como o desprezo, a reserva, e o “silêncio dos inocentes”.
Houve seis deputados que foram ver a meia-final entre Portugal e o País de Gales, em Lyon, e que faltaram ao plenário nessa tarde: cinco do PSD, um do PS, designadamente o presidente da Assembleia da República. Justificações houve para todos os gostos e só dois dos deputados, Cristóvão Norte e Emídio Guerreiro, do PSD, entenderam não justificar a falta. Opções religiosas, quem sabe… Na verdade, há razões que a razão desconhece.
Campos Ferreira chegou a dizer tratar-se de um assunto da “vida privada”, o que também é de uma “originalidade” só ao alcance de génios ou da licenciatura de Miguel Relvas.
Hugo Soares, por sua vez, justificou o “motivo de força maior” da seguinte forma: “Entendi não pôr trabalho político. Mas estava a representar os portugueses. Sou deputado 24 horas por dia“. Fica uma sugestão: se a ideia era representar os portugueses, era sua obrigação acompanhar os estágios, treinos, e não falhar um jogo que fosse. Isso, sim, seria ser deputado 24 horas por dia. Foi pena não nos ter pedido aconselhamento.
Juridicamente, é considerado “força maior” todo o evento imprevisível e insuperável cujos efeitos se produzem independentemente da vontade do operador, designadamente as situações de catástrofe natural, atos de guerra, declarada ou não, de subversão, alteração da ordem pública, bloqueio económico e incêndio”. Eduardo Ferro Rodrigues aceitou os motivos apresentados. Todos eles absolutamentes consistentes com a definição jurídica de “força maior”. Ele mesmo foi ver o jogo a Lyon, mas em representação da Assembleia da República. Terá ido patrioticamente ao balneário dar a táctica? O socialista estava “ausente em missão parlamentar“, uma justificação automática, uma vez que só acontece por despacho do presidente da Assembleia da República. A partir de agora, por esta lógica, faltar ao trabalho para assistir a uma partidinha de futebol é “missão parlamentar”. Bem se diz que Portugal é um país de inventores.
No caso de Rodrigues, é o próprio que valida as suas missões, não fosse ele o presidente.
É claro que estamos a falar do Euro 2016. Um acontecimento social, económico e cultural que quer se queira, quer não tem um peso enorme e, como tal, deve ser promovido politicamente. Não vejo mesmo outras áreas que devam reclamar muito mais apoio político… Mas então os deputados, só por irem ao euro, são reprováveis? Nem me passa pela cabeça tal heresia. Agora ir é uma coisa, ir patrocinado é outra, ir patrocinado por empresas em litígio é ainda outra. Do mesmo modo, Tentar justificar o injustificável através de uma pseudo-argumentação absolutamente ridícula e abjeta é quase tão fantasioso como a ficção científica. Afinal, quem é que nunca culpou o trânsito, uma constipação, um mal-estar, dores de cabeça, para um arranjo da vida? Em relação aos deputados do PSD e CDS, penso que seria também importante saber quem lhes pagou a deslocação .Não é por nada, mas, só para se ter uma noção do grau de promiscuidade a que se chegou, basta referir que só a Caixa Geral de Depósitos, a EDP, a PT e a Galp já empregaram 68 ex-ministros e secretários de estado ligados sobretudo ao PS, PSD e CDS/PP que já no período da democracia ascenderam a cargos bem remunerados em quatro empresas. Será fartar vilanagem? Ou fartar vilanagem? Acumularam experiência e influência política nas equipas governamentais, aproveitando depois para transitar para as administrações e órgãos sociais destas quatro grandes empresas. Destes, houve 40 que saíram diretamente dos gabinetes do Terreiro do Paço para os novos cargos nestas empresas. A Caixa Geral de Depósitos é a campeã no ranking empregador de ex-ministros e secretários de Estado (23), alguns deles ainda em exercício como é o caso do próprio presidente do banco público, Faria de Oliveira, que foi ministro do Comércio no governo de Cavaco Silva entre 1990 e 1995. Segue-se nesta lista a Portugal Telecom(19), a EDP e a Galp (ambas com 13). Ao analisar apenas os homens que lideravam os Ministérios, verifica-se que 38 levaram apenas um ano (ou até menos) para empregar- se em lugares de destaque em empresas públicas ou privadas, sendo que mais de metade (20) foram mesmo para empresas públicas ou com participações do Estado.
“Quando saí do Governo tive vários convites para ir trabalhar”, reconheceu em 2008 Manuel Dias
Loureiro, ex-ministro da Administração Interna de Cavaco Silva, reconhecendo que sobretudo os contactos que fez no mundo da política o “ajudaram” na vida empresarial que se seguiu (incluindo passagem pelo BPN). O mais curioso é que nunca lhes passa pela cabeça demitir-se, ou, como a senhora Maria Luís Albuquerque e o senhor Durão Barroso, recusar os “tachos de porcelana” na Arrow Global ou na Goldman Sachs. Que seja “legal” não quer dizer que as pessoas que nos representam ou nos representaram não devam ter alguma vergonha na cara. A única solução seria fazer uma lei clara para evitar as portas giratórias e os “presentes” das empresas aos responsáveis políticos. Repare-se que as escolas de formação dos atuais políticos são as jotinhas, os partidos e os lamaceiros da política municipal. É nestes viveiros e colinhos que singram os golpistas, e quem tem falta de carácter. A fome de enriquecer e extrair benefícios pessoais é o propósito, o único, em muitos casos. Certo é que a pouca vergonha nunca mudará, sobretudo enquanto não pudermos escolher os nossos deputados, em listas abertas, e acabarmos com a ditadura dos partidos. Como alguém dizia, isto é só uma caixinha de robalos, não é corrupção.
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